Avançar para o conteúdo principal

Crítica: "Um Lugar Silencioso"


Como encenar um contundente melodrama familiar no século XXI? Então e um conto de terror apocalíptico? Segundo Krasinski, fundindo-os. O resultado é uma das experiências cinematográficas mais entusiasmantes de 2018, cruzando dois dos géneros mais estafados e pejados de clichés do panorama contemporâneo, para originar uma empolgante odisseia de sustos e suspense, algures entre Hitchcock e Carpenter. Basicamente, o mundo tornou-se num local inóspito, quando monstros que comunicam entre si exclusivamente pelo som e possuem um requintado aparelho auditivo, que lhes permite detetar o paradeiro das suas presas ao menor ruído. Assim sendo, a única maneira de sobreviver, é construir uma vida no silêncio, constantemente evitando a reprodução dos mais discretos sons. Para famílias como os Abbott, que conseguiram escapar aos primeiros confrontos com os mutantes em questão, o quotidiano tornou-se num sem fim de preocupações e praticas, especificamente para manter estes seres longe. No entanto, a gravidez da matriarca aproxima-se do término e, a chegada de um bebé, representará uma infeliz quebra na meticulosa rotina da unidade familiar que o receberá. Não sendo um filme mudo, “Um Lugar Silencioso” surge mesmo pautado pela quase permanente falta de diálogos, transmitindo todos os muito importantes pormenores adjacentes ao quarteto de protagonistas e, das notoriamente difíceis situações em que são colocados, através de uma atmosfera intoxicante, proveniente de uma mise en scène subtil e de um argumento humanista (a componente emocional da história promete arrasar qualquer espetador), que tem a inteligência de ancorar toda a fita nas mãos de um estupendo elenco e, a habilidade de se resolver numa admiravelmente económica duração de apenas 90 minutos.



Realização: John Krasinski

Argumento: Bryan WoodsScott Beck


Género: Drama, Terror

Duração: 90 minutos

Comentários

Mensagens populares deste blogue

CRÍTICA - "THE APPRENTICE - A HISTÓRIA DE TRUMP"

"The Apprentice", em Portugal, acompanhado pelo subtítulo "A História de Trump", tornou-se num dos filmes mais mediáticos do ano antes de ser revelado ao público, em maio, no Festival de Cannes, "poiso" habitual do seu autor, o iraniano-sueco-dinamarquês Ali Abbasi. De facto, os tabloides tiveram muito por onde pegar, houve um apoiante de Donald Trump que, inconscientemente, terá sido um dos financiadores de "The Apprentice" (só podemos especular que terá assumido que o filme se tratava de uma hagiografia, de pendor propagandístico), a campanha de boicote que Trump e a sua comitiva lançaram contra o filme, a dificuldade de encontrar um distribuidor no mercado norte-americano (nenhum estúdio quer ter um possível Presidente como inimigo), etc. A polémica vale o que vale (nada), ainda que, inevitavelmente, contribua para providenciar um ar de choque a "The Apprentice", afinal, como exclamam (corretamente) muitos dos materiais promocionais ...

"Flow - À Deriva" ("Straume"), de Gints Zilbalodis

Não devemos ter medo de exaltar aquilo que nos parece "personificar", por assim dizer, um ideal de perfeição. Consequentemente, proclamo-o, sem medos, sem pudores, "Flow - À Deriva", do letão Gints Zilbalodis é um dos melhores filmes do século XXI. Um acontecimento estarrecedor, daqueles que além de anunciar um novo autor, nos providencia a oportunidade rara, raríssima de experienciar "cinema puro". O conceito é simultaneamente simples e complexo. Essencialmente, entramos num mundo que pode ou não ser o nosso, onde encontramos apenas natureza, há resquícios do que pode, eventualmente, ter sido intervenção humana, mas, permanecem esquecidos, abandonados, nalguns casos, até consumidos pela vegetação. Um dia, um gato, solitário por natureza, é confrontado com um horripilante dilúvio e, para sobreviver, necessita de se unir a uma capivara, um lémure-de-cauda-anelada e um cão. Segue-se uma odisseia épica, sem diálogos, onde somos convidados (os dissidentes, cas...

"Oh, Canada", de Paul Schrader

Contemporâneo de Martin Scorsese, Steven Spielberg e Francis Ford Coppola, Paul Schrader nunca conquistou o estatuto de "popularidade" de nenhum desses gigantes... e, no entanto (ou, se calhar, por consequência de), é, inquestionavelmente, o mais destemido. Em 1997, "Confrontação", a sua 12ª longa-metragem, tornou-se num pequeno sucesso, até proporcionou um Óscar ao, entretanto, falecido James Coburn. Acontece que, o mediatismo não o deslumbrou, pelo contrário, Schrader tornou-se num cineasta marginal, aberto às mais radicais experiências (a título de exemplo, mencionemos "Vale do Pecado", com Lindsay Lohan e James Deen). Uma das personas mais fascinantes do panorama cultural norte-americano, parecia ter escolhido uma espécie de exílio, até que, "No Coração da Escuridão", de 2017, o reconciliou com o público. Aliás, o filme representou o início de uma espécie de trilogia, completada por "The Card Counter: O Jogador", em 2021, e "O ...