Avançar para o conteúdo principal
Crítica: "Tully"


Será necessário sacrificar a juventude, para poder entrar na idade adulta? Ou melhor, será que só pondo de parte o passado, podemos verdadeiramente viver no presente? É possível que ninguém tenha maturidade suficiente para responder a perguntas tão abstratas, digam os assim, no entanto, Jason Reitman e Diablo Cody (cineasta e argumentista, respetivamente), procuram fazer precisamente isso, através de um filme que não podia encapsular melhor as suas filmografias. Chama-se “Tully”, e encena o encontro entre uma mãe de família à beira de um esgotamento (Charlize Theron) e uma ama noturna (Mackenzie Davis), que fora contratada para assegurar confortáveis noites de repouso à sua “patroa”. Algures entr e a mais contundente crónica matrimonial, e uma aura de thriller quase próxima do fantástico (poderíamos falar de um cruzamento entre Mary Poppins e Harmony Korine) Reitman leva-nos numa odisseia intimista, simultaneamente negra e luminosa, capaz de falar aberta e honestamente acerca de temáticas francamente complexas, sem nunca ceder à tentação de oferecer respostas fáceis ou soluções narrativas convenientes, ao invés apostando num humanismo comovente, ancorado num argumento brutalmente honesto, e num par de imensas performances de Charlize Theron e Mackenzie Davis. A primeira, a por de lado qualquer tipo de vaidade, para abraçar uma personagem à deriva numa existência depressiva. A segunda, a personificar uma espécie de anjo contemporâneo, que põe de parte quaisquer puritanismos para realizar a sua missão. Um clássico instantâneo.



Realização: Jason Reitman

Argumento: Diablo Cody

Comentários

Mensagens populares deste blogue

CRÍTICA - "THE APPRENTICE - A HISTÓRIA DE TRUMP"

"The Apprentice", em Portugal, acompanhado pelo subtítulo "A História de Trump", tornou-se num dos filmes mais mediáticos do ano antes de ser revelado ao público, em maio, no Festival de Cannes, "poiso" habitual do seu autor, o iraniano-sueco-dinamarquês Ali Abbasi. De facto, os tabloides tiveram muito por onde pegar, houve um apoiante de Donald Trump que, inconscientemente, terá sido um dos financiadores de "The Apprentice" (só podemos especular que terá assumido que o filme se tratava de uma hagiografia, de pendor propagandístico), a campanha de boicote que Trump e a sua comitiva lançaram contra o filme, a dificuldade de encontrar um distribuidor no mercado norte-americano (nenhum estúdio quer ter um possível Presidente como inimigo), etc. A polémica vale o que vale (nada), ainda que, inevitavelmente, contribua para providenciar um ar de choque a "The Apprentice", afinal, como exclamam (corretamente) muitos dos materiais promocionais ...

"Flow - À Deriva" ("Straume"), de Gints Zilbalodis

Não devemos ter medo de exaltar aquilo que nos parece "personificar", por assim dizer, um ideal de perfeição. Consequentemente, proclamo-o, sem medos, sem pudores, "Flow - À Deriva", do letão Gints Zilbalodis é um dos melhores filmes do século XXI. Um acontecimento estarrecedor, daqueles que além de anunciar um novo autor, nos providencia a oportunidade rara, raríssima de experienciar "cinema puro". O conceito é simultaneamente simples e complexo. Essencialmente, entramos num mundo que pode ou não ser o nosso, onde encontramos apenas natureza, há resquícios do que pode, eventualmente, ter sido intervenção humana, mas, permanecem esquecidos, abandonados, nalguns casos, até consumidos pela vegetação. Um dia, um gato, solitário por natureza, é confrontado com um horripilante dilúvio e, para sobreviver, necessita de se unir a uma capivara, um lémure-de-cauda-anelada e um cão. Segue-se uma odisseia épica, sem diálogos, onde somos convidados (os dissidentes, cas...

"Oh, Canada", de Paul Schrader

Contemporâneo de Martin Scorsese, Steven Spielberg e Francis Ford Coppola, Paul Schrader nunca conquistou o estatuto de "popularidade" de nenhum desses gigantes... e, no entanto (ou, se calhar, por consequência de), é, inquestionavelmente, o mais destemido. Em 1997, "Confrontação", a sua 12ª longa-metragem, tornou-se num pequeno sucesso, até proporcionou um Óscar ao, entretanto, falecido James Coburn. Acontece que, o mediatismo não o deslumbrou, pelo contrário, Schrader tornou-se num cineasta marginal, aberto às mais radicais experiências (a título de exemplo, mencionemos "Vale do Pecado", com Lindsay Lohan e James Deen). Uma das personas mais fascinantes do panorama cultural norte-americano, parecia ter escolhido uma espécie de exílio, até que, "No Coração da Escuridão", de 2017, o reconciliou com o público. Aliás, o filme representou o início de uma espécie de trilogia, completada por "The Card Counter: O Jogador", em 2021, e "O ...