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Crítica: "Cabaret Maxime"


Em 2007, Bruno de Almeida assinou um belíssimo filme mosaico, chamado “The Lovebirds”, onde acompanhávamos uma série de pequenos contos românticos, que se iam desenrolando na cidade de Lisboa. Ora, entre as muitas personagens que compunham a sua narrativa, encontrávamos Michael Imperioli como um americano, que se deixava cair no feitiço de uma portuguesa, Ana Padrão. Mais de uma década passada, o casal reencontra-se num filme muito mais melancólico, de nome “Cabaret Maxime”. Ele, um gerente de um velho cabaret em vias de extinção, que procura resistir aos avanços do “progresso”, imposto por grupos pouco cordiais. Ela, uma veterana do palco, à deriva entre a glória do passado e a incerteza do futuro.


Tudo se passa num Cais do Sodré, aqui transfigurado numa enigmática terra de ninguém, onde se projetam as muitas influências temáticas e estéticas de um autor assolapadamente apaixonado pelo cinema americano dos anos 60/70 (sentimos o peso de nomes como Abel Ferrara ou Martin Scorsese), e vamos seguindo o olhar de Imperioli, que começa e encerra o filme, sempre num sedutor misto de latente vulnerabilidade e inabalável confiança. Por outras palavras, seguimos a luta de um anti-herói que se adequa classicamente aos padrões da obra do seu cineasta, uma figura estrambólica, gentil e solitária, que faz uma existência própria na noite, e vive a sua realidade numa ficção só sua.


Uma odisseia genuinamente intimista, portanto, desdobrando-se como uma subtil e contundente fábula, acerca de um círculo de personagens, que aparentam ser incapazes de abandonar um passado que não volta nunca, encenada com um obstinado e antiquado (no melhor sentido possível do termo) romantismo, que confirma Bruno de Almeida enquanto uma das mais singulares vozes no panorama contemporâneo. Além do mais, a sua muito confiável trupe de atores, reúne-se novamente com resultados sempre consistentes, e se Michael Imperioli quase sai com o filme nas mãos, não há como não mencionar o brilhantismo de Ana Padrão, como a sua amada, e John Ventimiglia, numa performance asfixiante e frenética, que consegue mesmo alguns dos mais pitorescos momentos de toda a fita.



Realização: Bruno de Almeida



Género: Drama

Duração: 94 minutos

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