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"Assim Nasce Uma Estrela" ("A Star Is Born"), de Bradley Cooper


Primeiro era Clint Eastwood quem ia filmar a quarta versão cinematográfica de "Assim Nasce Uma Estrela", no entanto, uma má experiência no campo do musical (o seu "Jersey Boys" fracassou brutalmente nas bilheteiras mundiais), assustou o veterano, e convenceu-o a trabalhar em projetos menos arriscados, no processo, deixando ao abandono o conto romanesco do encontro entre um músico fora de tempo, e uma rapariga com invulgares dotes vocais. Seguiu-se um acontecimento genuinamente milagroso. Como assim? Pois bem, o ator tornado cineasta Bradley Cooper, repescou esse mesmo conceito, e providencionou-nos o que aparentava ser impossível: uma releitura ultrapessoal da história clássica, que se assume como uma tocante declaração de amor ao rigor humanista de uma certa tradição melodramática, de raiz eminentemente trágica.


Aliás, como muitos outros mencionaram antes de nós, um dos aspetos centrais do filme, é mesmo a revalorização de um gosto genuíno pelo labor dos atores (não só a resplandecente composição de Lady Gaga, como também o imenso Sam Elliot, num dos momentos altos de uma carreira lendária). No entanto, o que mais nos fascina no trabalho de Cooper, é a maneira como encena este romance de fulgor quase épico, como uma odisseia duplíce, conjugando com graciosidade e eloquência o espetáculo exuberante de uma mulher que se descobre enquanto artista, com a elegia de um cantor, que já não consegue exorcizar os fantasmas de um passado desencantado, com as suas composições. Uma coisa é certa, se em Gaga nasce uma estrela, que durante muito tempo iluminará os nossos ecrãs, então, Cooper evidência-se como um autor percetivo e empático, que nos convence do primeiro ao último frame.


Realização: Bradley Cooper


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