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 "O Rei de Staten Island", de Judd Apatow


Continuam a existir muitas pessoas que olham para a comédia de lado. Como se provocar gargalhadas fosse uma ambição menor. No entanto, a verdade é que algum do melhor cinema contemporâneo se encontra mesmo enraizado nessa tradição. Nesse sentido, é inevitável mencionar o nome de Judd Apatow, cujos filmes não só ousaram providenciar uma perspetiva masculina a um género tipicamente dominado pelas mulheres (a comédia romântica), como acabaram por instaurar um novo molde para este tipo de produções. Graças a ele, muitos outros realizadores conseguiram conquistar novos patamares nas suas carreiras, contudo, nunca ninguém foi ainda capaz de usurpar e entende-se porquê. Afinal, o trabalho de Appatow possui um humanismo pouco comum e uma vontade de abordar temáticas de pendor realista muito explicita, resultando em melodramas acerca do quotidiano que misturam um sentido de humor juvenil com traços dramáticos contundentes. Tal volta a acontecer em O Rei de Staten Island, um olhar tão comovente como hilariante sobre a iniciação à maturidade de Scott, um rapaz que nunca conseguiu superar o falecimento prematuro do pai. Enquanto os outros filmes de Apatow se mantiveram focados no universo mediático que o próprio realizador ocupa, as aventuras deste monarca sem trono trocam esse ambiente pelo de Pete Davidson, protagonista e argumentista (em parceria com Dave Sirius e Apatow), cujas vivências serviram de base para a construção da história, o resultado é um conto gentil e intimista que cedo atinge um equilíbrio perfeito entre seriedade e comicidade, no processo, oferecendo ao público uma reflexão empática sobre as vicissitudes do crescimento, que nos deixa com um sorriso no rosto e a esperança de que melhores dias virão. Um feel good movie despretensioso e tocante como estávamos a precisar nestes tempos tão conturbados.

Texto de Miguel Anjos

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