"A LENDA DO CAVALEIRO VERDE", DE DAVID LOWERY
O cinema nunca ocultou um certo fascínio pelo mito arturiano, ciclicamente regressando aos tempos que "a espada era a lei" para dramatizar os eventos que todos conhecemos moderadamente bem, procurando reencontrar não só o charme antiquado da grande aventura, mas também o poder simbólico, existencial e filosófico da fábula. No entanto, parecia continua a sentir-se uma relativa escassez de títulos genuinamente memoráveis, capazes de nos providenciar filmes que não fiquem aquém do estatuto de tão incontornáveis ícones da cultura contemporânea.
Em "A Lenda do Cavaleiro Verde", o norte-americano David Lowery conseguiu tamanho feito, demonstrando-se apto para desenvolver uma experiência puramente sensorial, que rompe com tudo aquilo que nos habituámos a associar às aventuras medievais. Baseado poema "Sir Gawain e o Cavaleiro Verde", o filme acompanha Gawain (Dev Patel), sobrinho imprudente e obstinado do envelhecido Rei Artur. Uma noite, durante um jantar de Natal, o epónimo Cavaleiro Verde (Joel Edgerton), um gigantesco estranho de pele esmeralda, que desafia os presentes para um jogo, quem aceitar cortar-lhe a cabeça, dali a um ano seguirá viagem até à sua "capela verde", para que o Cavaleiro decapitado devolva o mesmo golpe... Gawain, com sede de honra, sela o seu destino e passado um ano faz a jornada para cumprir o acordo.
Nas mãos de outro realizador seria uma acumulação de atos heroicos, coisa em que Lowery tem muito pouco interesse, em vez disso temos um cruzamento hipnótico de terror folk e tragédia clássica, colocando filme mais perto de coisas como "Anticristo" ou "Midsommar" do que o velhinho "Excalibur", tudo centrado numa reflexão melancólica à volta da masculinidade e dos horrores inerentes ao processo de crescimento, com personagens crípticas que dão impulso ao feitiço de uma estética e atmosfera, como sempre, bem acompanhadas pela banda sonora do fiel colaborador Daniel Hart. "A Lenda do Cavaleiro Verde" é um acontecimento notável, que merece ser descoberto no habitat natural de todos os filmes (bons ou maus não é isso que está em causa): a sala de cinema.
★★★★★
Texto de Miguel Anjos
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