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CRÍTICA: "KAAMELOTT - O PRIMEIRO CAPÍTULO"

Dado que nos encontramos no contexto português, importa providenciar algum contexto ao leitor. "Kaamelott" é um fenómeno francófono, no entanto, nunca passou as fronteiras gaulesas. Criada por Alexandre Astier, em 2005, a série que apresentava uma releitura satírica do mito arturiano presenteou os seus muitos fãs com 469 episódios, com 5 minutos de duração. Astier e os seus compinchas abandonaram o ar em 2009, com uma temporada especial, de apenas 8 capítulos, com uma duração estendida para os 40 minutos.

Porém, os seguidores das aventuras deste Rei Artur folião, mantiveram sempre a esperança de que, um dia, ele regressasse. Com "Kaamelott: O Primeiro Capítulo", as suas preces foram atendidas, até porque, seguindo o método dos blockbusters norte-americanos, Astier plantou as sementes de uma franquia (adequadamente) cinematográfica, polvilhando o seu filme com elementos e personagens aos quais planeia voltar em eventuais sequelas…

E se, a sexta temporada de "Kaamelott" terminava com Arthur Pendragon (Astier) a renunciar ao trono, entregando-a a Lancelot Du Lac (Thomas Cousseau), "Kaamelott: O Primeiro Capítulo" começa uns 10 anos depois dessa renúncia, num contexto francamente caótico. Lancelot, assumiu-se como um tirano, que coloca a prémio a cabeça de Arthur, encarando-o como a única ameaça legítima ao seu reinado absolutista. Os Cavaleiros da Távola Redonda dissolveram-se e formaram inúteis focos de resistência contra Lancelot. Entretanto, os plebeus oprimidos apenas sonham com o regresso do seu velho regente. Mas… terá Arthur paciência suficiente para regressar?

A meio-caminho entre os Monty Python e Mel Brooks, atingindo a energia criativa de ambos, sem nunca conseguir replicar (inteiramente) o seu brilhantismo visionário, o produtor, realizador, coargumentista, protagonista e compositor Alexandre Astier providencia-nos uma comédia medieval hilariante e delirante, que desmonta, comicamente, o mito arturiano e as suas representações literárias, cinematográficas e televisivas, utilizando um sentido de humor acutilante, para expor e satirizar a ignorância e estupidez humana, com o auxílio de um elenco extensíssimo, onde toda a gente quis fazer uma perninha, do veterano Christian Clavier ao músico Sting. "Kaamelott" sabe rir-se de si próprio, do seu legado e da sua iconografia, saibamos recebe-lo com a mesma abertura.

★ ★ ★ ★ ★
Texto de Miguel Anjos

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