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CRÍTICA - "OPERAÇÃO FORTUNE: MISSÃO MORTÍFERA"


Quando Guy Ritchie confirmou que iria dirigir o remake de "Aladdin", muitos especularam sobre a possível dissolução da carreira de um dos poucos autores populares que ainda tínhamos. Afinal, Ritchie vinha de um outro blockbuster destrambelhado, "Rei Artur: A Lenda da Espada", que havia representado um colossal fracasso comercial e criativo. O britânico parecia mesmo ter abandonado as suas comédias frenéticas e brincalhonas, para se tornar num mero gestor de efeitos visuais... Felizmente, "Aladdin", por sinal, um sucesso de bilheteira estrondoso, correspondeu mesmo ao final desse período desinspirado, ao qual se seguiram dois dos melhores títulos da sua carreira, "The Gentleman: Senhores do Crime" e "Um Homem Furioso".

Agora, reencontramo-lo em "Operação Fortune: Missão Mortífera", uma espécie de cruzamento entre os James Bond da era Roger Moore, com a sensibilidade de Ritchie (do humor ousado às sequências de ação propulsivas, passando pelas personagens caricatas). Nele, conhecemos Orson Fortune (Jason Statham), um espião inteligente, desenrascado e altamente letal, com uma lista surpreendentemente extensa de fobias, que é incumbido de impedir a venda de uma nova tecnologia de armamento. No entanto, para tal, terá de se infiltrar no milieu de Greg Simmonds (Hugh Grant), o excêntrico bilionário que está a mediar o negócio em causa.


Naturalmente, é uma estupidez levar isto a sério, quanto mais não seja, porque nenhum dos envolvidos comete esse erro. Statham nunca evidenciara uma veia cómica como o faz aqui, abraçando todos os estereótipos que nos habituámos a associar às suas personagens e providenciando-nos uma espécie de desconstrução paródica das mesmas, Grant, repetindo a proeza de "The Gentleman", veste a pele de uma personagem peculiarmente rocambolesca com uma facilidade estonteante, conseguindo alguns dos momentos mais deliciosos do filme, e Aubrey PlazaBugzy Malone e Josh Hartnett, respetivamente, como os três membros da entourage de Orson Fortune e uma estrela de cinema que, relutantemente, se vê arrastada para um universo sanguinolento, apresentam notáveis composições cómicas, aceitando a natureza anárquica do guião e divertindo-se (e divertindo-nos) com ela.

Mas, quem rouba o filme, é mesmo o próprio Ritchie, aqui a trabalhar no mesmo território que o seu conterrâneo Matthew Vaughn desbravou nos filmes da franquia "Kingsman", que, além de realizar, coescreveu o argumento com Ivan Atkinson e Marn Davies, compondo um hilariante (e viciante) pastiche de influências, que abandona o existencialismo do precedente (e supracitado) "Um Homem Furioso", para nos providenciar o equivalente cinematográfico de um bom cheeseburger, simples, despretensioso e muito, muito suculento.

★ ★ ★ ★
Texto de Miguel Anjos

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