Avançar para o conteúdo principal
Crítica: O Reflexo Do Medo (As Above, So Below), de John Erick Dowdle


A produção de cinema de terror nos grandes estúdios americanos, baseia-se exclusivamente em "modas", ou seja, basicamente a cada década alguém realiza um filme extraordinário num determinado subgénero que se sai muito bem nas bilheteiras e desencadeia uma produção em massa de filmes semelhantes. Atualmente esse subgénero é o found footage, que graças ao retumbante sucesso da saga "Atividade Paranormal" hoje domina a maioria das obras do género a serem produzidas pela indústria (o que faz sentido, nem que seja só pelo facto de serem obras baratas de produzir, e devido a isso, quase sempre rentáveis).
O problema é que o subgénero já começa a apresentar sinais de cansaço, que têm sido evidentes tanto a nível criativo como comercial, havendo até pessoas que acusam este tipo de obras (atualmente) de se resumirem a fracas repetições de si mesmas. E embora essa queixa não seja desprovida de alguma razão, também é necessário notar que ainda existem cineastas com talento a fazer trabalhos interessantes nesse espaço, e este "O Reflexo Do Medo" é prova disso.
Realizado por John Erick Dowdle, que já tinha mostrado talento no ótimo (e algo similar) "O Demónio", aquilo a que assistimos aqui é acima de tudo um filme inteligente, original, que chega a conseguir subverter a maioria dos clichés que hoje em dia associamos a este tipo de filmes e entreter, mantendo-nos sempre presos até ao fim. Tudo isto graças a um incrível trabalho de realização que providencia à obra um tom apropriadamente tenso e claustrofóbico, e um argumento curioso repleto de boas ideias e reviravoltas que tornam o todo muito mais cativante e surpreendente.
Já o uso do found footage como forma de apresentar a obra é uma "faca de dois gumes", embora o bom seja definitivamente sólido o suficiente para suplantar o mau, isto porque se, por um lado ajuda à construção do suspense e  a aumentar a claustrofobia sentida pelo espetador, por outro faz com que em alguns momentos se torne difícil perceber o que se está a passar, sendo que esta é apenas uma pequena queixa, até porque isso só acontece pontualmente, no entanto convém referi-lo.
Também merecedora de destaque é a banda sonora, que muito contribui para a atmosfera do filme, e ainda as interpretações dos protagonistas Perdita Weeks e Ben Feldman, algumas ideias interessantes (pena que não recebam um maior desenvolvimento) e uma quase exclusão da violência (aqui o pior é unicamente imaginado por nós, um excelente sinal) que de forma curiosa acaba por tornar a obra bastante mais empolgante e assustadora, até porque o mistério em relação ao desconhecido é sempre mais assustador.
E, em suma, "O Reflexo Do Medo" é um filme tenso, imprevisível, e atmosférico que se apresenta como uma boa surpresa.
8/10

Comentários

Mensagens populares deste blogue

CRÍTICA - "THE APPRENTICE - A HISTÓRIA DE TRUMP"

"The Apprentice", em Portugal, acompanhado pelo subtítulo "A História de Trump", tornou-se num dos filmes mais mediáticos do ano antes de ser revelado ao público, em maio, no Festival de Cannes, "poiso" habitual do seu autor, o iraniano-sueco-dinamarquês Ali Abbasi. De facto, os tabloides tiveram muito por onde pegar, houve um apoiante de Donald Trump que, inconscientemente, terá sido um dos financiadores de "The Apprentice" (só podemos especular que terá assumido que o filme se tratava de uma hagiografia, de pendor propagandístico), a campanha de boicote que Trump e a sua comitiva lançaram contra o filme, a dificuldade de encontrar um distribuidor no mercado norte-americano (nenhum estúdio quer ter um possível Presidente como inimigo), etc. A polémica vale o que vale (nada), ainda que, inevitavelmente, contribua para providenciar um ar de choque a "The Apprentice", afinal, como exclamam (corretamente) muitos dos materiais promocionais ...

"Flow - À Deriva" ("Straume"), de Gints Zilbalodis

Não devemos ter medo de exaltar aquilo que nos parece "personificar", por assim dizer, um ideal de perfeição. Consequentemente, proclamo-o, sem medos, sem pudores, "Flow - À Deriva", do letão Gints Zilbalodis é um dos melhores filmes do século XXI. Um acontecimento estarrecedor, daqueles que além de anunciar um novo autor, nos providencia a oportunidade rara, raríssima de experienciar "cinema puro". O conceito é simultaneamente simples e complexo. Essencialmente, entramos num mundo que pode ou não ser o nosso, onde encontramos apenas natureza, há resquícios do que pode, eventualmente, ter sido intervenção humana, mas, permanecem esquecidos, abandonados, nalguns casos, até consumidos pela vegetação. Um dia, um gato, solitário por natureza, é confrontado com um horripilante dilúvio e, para sobreviver, necessita de se unir a uma capivara, um lémure-de-cauda-anelada e um cão. Segue-se uma odisseia épica, sem diálogos, onde somos convidados (os dissidentes, cas...

"Oh, Canada", de Paul Schrader

Contemporâneo de Martin Scorsese, Steven Spielberg e Francis Ford Coppola, Paul Schrader nunca conquistou o estatuto de "popularidade" de nenhum desses gigantes... e, no entanto (ou, se calhar, por consequência de), é, inquestionavelmente, o mais destemido. Em 1997, "Confrontação", a sua 12ª longa-metragem, tornou-se num pequeno sucesso, até proporcionou um Óscar ao, entretanto, falecido James Coburn. Acontece que, o mediatismo não o deslumbrou, pelo contrário, Schrader tornou-se num cineasta marginal, aberto às mais radicais experiências (a título de exemplo, mencionemos "Vale do Pecado", com Lindsay Lohan e James Deen). Uma das personas mais fascinantes do panorama cultural norte-americano, parecia ter escolhido uma espécie de exílio, até que, "No Coração da Escuridão", de 2017, o reconciliou com o público. Aliás, o filme representou o início de uma espécie de trilogia, completada por "The Card Counter: O Jogador", em 2021, e "O ...