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Crítica

"O Vendedor", de Asghar Farhadi


Título Original: "The Salesman"
Realizador: Asghar Farhadi
Argumentista: Asghar Farhadi
Elenco: Shahab Hosseini, Taraneh Alidoosti, Babak Karimi
Género: Drama, Thriller
Duração: 125 minutos
Distribuidor: Alambique Filmes
Classificação Etária: M/12
Data de Estreia (Portugal): 22/12/2016

Asghar Farhadi já havia deixado excelentes indicações com as suas duas longas anteriores e, agora volta a confirmar-se como um dos mais habilidosos autores contemporâneos no que à construção de contos morais inteligentes e adultos diz respeito, com um drama de claustrofóbico intimismo e tensão explosiva chamado "O Vendedor" (estreia-se no nosso país hoje, depois de ter arrebatado dois prémios na passada edição do Festival de Cannes, para Melhor Ator e Argumento). Uma tragédia humana palpavelmente melancólica, onde Farhadi nos conta a história de um casal de classe média na Teerão moderna, empenhado em produzir uma peça baseada na "Morte de um Caixeiro Viajante" de Arthur Miller (que nem por acaso vai sendo colocada no centro da narrativa constantemente). Tudo parece correr bem para os dois, até que um acontecimento violento altera as suas vidas de forma definitiva. Não faltam críticas acutilantes à sociedade iraniana atual (sendo as mais óbvias direcionadas à censura omnipresente na narrativa e, ao papel passivo da mulher), porém o poder do filme de Farhadi reside na intensidade que vai crescendo silenciosamente nos dois primeiros atos, para depois culminar num arrebatador terceiro que não necessita de tiroteios ou perseguições de carro a alta velocidade para se contar orgulhosamente entre os mais portentosos do ano que agora finda. Farhadi é acima de tudo um artista fascinado pelos mistérios da condição humana, em "O Vendedor" medita com maturidade notável sobre o falhanço e o perdão, sobre as nossas relações e a forma como comunicamos. Ora e, objetos de cinema com tanto para dizer não merecem ficar para trás nesta quadra tão rica em opções cinematográficas interessantes. Por isso, ide caro leitor, ide.

8/10
Texto de Miguel Anjos

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