"Blindspotting: À Queima-Roupa", de Carlos López Estrada
Há um momento absolutamente brutal em “Blindspotting”. Colin (Daveed
Diggs) necessita que lhe façam tranças no cabelo, antes de rumar para o
trabalho e, para tal, recorre à ajuda da sua ex-namorada (Janina Gavankar).
Após terminar o trabalho, a mesma diz-lhe que se as retirasse possivelmente
seria encarado de melhor forma pelo mundo em seu redor, e não como o criminoso
que é consistentemente acusado de ser, mas, reitera ele “são a minha identidade”.
Assim, subtilmente, Carlos López Estrada resume o seu filme. Não é só uma
comédia de amigos (embora, também o seja, funcione notoriamente bem nessa capacidade),
é um olhar melancólico sobre os preconceitos e pressões sociais, que continuam
a castrar pobres almas como os protagonistas.
Acontece que Colin foi aprisionado, por causa do seu
envolvimento num incidente sanguinolento e, cumprida a sentença, precisa de
aguentar os últimos três dias de liberdade condicional, sem se meter em problemas.
No entanto, existem dois fatores que dificultam essa missão. Primeiro, o seu
melhor amigo, Miles (Rafael Casal) tem um temperamento destrutivo, que o conduz frequentemente
a situações de violência extrema. Segundo, um dia ao voltar a sua residência,
vê um policia branco a assassinar um jovem negro desarmado (exatamente como
ele), no decorrer de uma perseguição. À sua volta, todos lhe dizem que se livre
de Miles, e se mantenha o mais discreto possível (as permanentes tensões entre
a polícia e a comunidade negra são um tema importantíssimo na narrativa), mas
como pode Colin resignar-se assim, quando aquela amizade representa a conexão
humana mais genuína que já experienciou? Quando o que lhe é exigido, é que
anule a sua identidade?
A realização é extraordinariamente estilizada, a
edição contagiante, e o argumento conjuga um sentido de humor afinado e
pontiagudo, com componentes furiosas de crítica social, que abarca tantos e tão
pertinentes temas, que qualquer espetador ficará boquiaberto. No entanto, o que
mais nos espanta, é o humanismo contido que vai sendo espelhado por cada cena, num
conto urbano urgente, tocante e gentilmente poético, situado numa realidade,
onde a condição humana passou a ser ditada por normas sociais profundamente
arbitrárias (nesse sentido, “Blindspotting” tem tanto de Spike Lee, como de
Yorgos Lanthimos).
Realização: Carlos López Estrada
Argumento: Rafael Casal, Daveed Diggs
Elenco: Daveed Diggs, Rafael Casal, Janina Gavankar
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