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Crítica: "Na Praia de Chesil"


Há muitas maneiras de olhar para o cinema. No entanto, mesmo que queiramos encará-lo como uma arte meramente narrativa (como muitos escolhem fazer), seria fútil tentar negar que a função de um cineasta vai além de contar uma boa história. É imperativo utilizar as ferramentas que o meio disponibiliza para criar uma experiencia total que, em ultima instancia, transporta o espetador diretamente para os cenários que contempla. Ora, em Na Praia de Chesil, o encenador teatral tornado realizador Dominic Cooke surpreende ao conseguir fazer precisamente isso, na sua primeira tentativa. Estamos em Inglaterra, no ano de 1962, numa sociedade cheia de constrangimentos e preconceitos, onde se começam já a evidenciar sinais de um choque geracional, que apenas viria a aumentar nos anos que se seguiram, quando dois amantes se reúnem num quarto de hotel, para começar a desfrutar da sua lua de mel. O que se segue, é um mergulho exemplarmente comovente na intimidade dos dois, à medida que se vão revelando um ao outro, e ao próprio espetador, dessa forma, alternando entre passado e presente, para compor uma arrasadora tragédia sobre a impossibilidade do amor, que quase adquire ecos de thriller no modo como vai construindo uma requintada atmosfera de desconforto e tensão, a culminar num terceiro ato de permanente melancolia, que é genuinamente tocante, sem cair em sentimentalismos postiços. E, como esquecer o cuidado que Cooke tem com os seus atores, a compor estas figuras tão frágeis com uma minúcia que impressiona e muito.



Realização: Dominic Cooke

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