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Crítica: "O Meu Amigo Pete"


Há um sentimento de permanente melancolia no cinema do britânico Andrew Haigh, contudo, o mais impressionante no seu trabalho não é a omnipresença dessa mágoa dilacerante, mas, sim o quão genuína a mesma acaba por ser. Afinal, falamos de um autor que aparenta mesmo recusar quaisquer maquinações postiças, que pudessem possivelmente servir para manipular as emoções do espetador. Quando vemos um filme seu, mergulhamos também numa realidade diferente da nossa. Em O Meu Amigo Pete, somos imediatamente transportados para o interior norte-americano, onde conhecemos Charley, um rapaz de 15 anos, que parte em busca do seu único familiar (uma tia que vive longe), acompanhado somente por Lean on Pete (o título original do filme), um cavalo de corrida no fim da linha ao qual se afeiçoou, roubado ao dono (Steve Buscemi), que o mandou entregar o animal para ser abatido no México. O pano de fundo é o de uma economia de subsistência, portanto, onde toda a gente está a fazer o melhor que pode simplesmente para conseguir sobreviver, mas, desengane-se quem pensa que Haigh está a fazer um comunicado sobre a sociedade atual (embora, quem queira ler isso no filme o possa fazer), optando ao invés por conceber um bonito conto acerca da impotência que todos sentimos, da impossibilidade de salvar outra pessoa, que todas as personagens vão simbolizando pontualmente. Seja o pai que não sabe como tomar conta de si mesmo, quanto mais do seu filho, ou o jovem que luta contra o mundo para proteger o seu amigo equídeo. É um acontecimento discreto, modesto, tocante e muitíssimo intimista, que volta a evidenciar Haigh como um mestre contemporâneo.


Realização: Andrew Haigh

Argumento: Andrew Haigh

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