Avançar para o conteúdo principal
"Bucha & Estica", de Jon S. Baird


Campeões de bilheteira entre os anos 20 e 40. Oliver Hardy e Stan Laurel, chegaram mesmo a ser as personalidades que mais pessoas conseguiam convencer a abandonar o conforto caseiro para visitar a sala de cinema mais próxima. No entanto, esse sucesso não lhes permitiu uma velhice desafogada. Porquê? Pois bem, porque os direitos dos seus filmes pertenciam ao produtor Hal Roach, responsável por juntar o duo, que nunca lhes providenciou um centavo dos rendimentos das aventuras cinematográficas das personagens que os portugueses ficaram a conhecer como Bucha & Estica.

É aí, no ocaso das suas carreiras, com Ollie a começar a sofrer de sérios problemas de saúde, que o argumento de Jeff Pope os vai encontrar. Isto é, não como os nomes que atraiam multidões para as suas excentricidades humorísticas, mas como corpos envelhecidos e cansados, que apenas procuram acumular dinheiro suficiente numa série de atuações ao vivo pelo Reino Unido, para obterem uma reforma digna. Ou melhor, ambos ainda possuíam uma réstia de esperança que a tour os ajude a encontrar alguém disposto a financiar-lhes um derradeiro filme, centrado na figura de Robin Hood, contudo, até eles parecem compreender que esse sonho permanecerá única e exclusivamente no papel.


Parece melancólico, pergunta o leitor? E é, responde o escriba. Porém, o argumento nunca sente a necessidade de tirar dividendos melodramáticos da situação em que os dois se encontram, assumindo até surpreendentes contornos humorísticos, que garantem que um sorriso, mesmo quando as lágrima começam a escorrer pelo rosto Também, por isso, é fundamental mencionar o nome do cineasta Jon S. Baird, um genuíno humanista que abandona o estilo operático e intoxicante da sua longa-metragem anterior, para abraçar um classicismo subtil e nada académico. Acima de tudo, interessa-se desmistificar Oliver Hardy e Stan Laurel e descobrir os seres de carne e osso, que durante demasiado tempo se ocultaram por trás dos holofotes de Hollywood.

E o trabalho francamente notável de Steve Coogan e um quase irreconhecível John C. Reilly muito contribuem para essa vontade, mas o que mais nos comove no despretensioso, económico (apenas 98 minutos) e humilde Stan & Ollie é a gentileza como nos guia pelas muitas convulsões íntimas de dois homens que tentam lidar com a violência do envelhecimento da melhor maneira que conseguem. Enfim, é caso para dizer que Baird podia ter feito uma biografia arrumadinha, académica e superficial como outra qualquer, mas preferiu conceber uma comédia delicodoce sobre a condição humana e a passagem do tempo. E ainda bem que o fez.


Texto de Miguel Anjos

Título Original: “Stan & Ollie”
Realização: Jon S. Baird
Argumento: Jeff Pope
Elenco: Steve Coogan, John C. Reilly, Shirley Henderson, Nina Arianda, Danny Huston, Rufus Jones
Produtor: Faye Ward
Produtores Executivos: Kate Fasulo, Christine Langan, Xavier Marchand, Joe Oppenheimer, Eugenio Pérez, Gabrielle Tana
Diretor de Fotografia: Laurie Rose
Montagem: Úna Ní Dhonghaíle, Billy Sneddon
Ano de Produção: 2018
Duração: 98 minutos

Comentários

Mensagens populares deste blogue

CRÍTICA - "THE APPRENTICE - A HISTÓRIA DE TRUMP"

"The Apprentice", em Portugal, acompanhado pelo subtítulo "A História de Trump", tornou-se num dos filmes mais mediáticos do ano antes de ser revelado ao público, em maio, no Festival de Cannes, "poiso" habitual do seu autor, o iraniano-sueco-dinamarquês Ali Abbasi. De facto, os tabloides tiveram muito por onde pegar, houve um apoiante de Donald Trump que, inconscientemente, terá sido um dos financiadores de "The Apprentice" (só podemos especular que terá assumido que o filme se tratava de uma hagiografia, de pendor propagandístico), a campanha de boicote que Trump e a sua comitiva lançaram contra o filme, a dificuldade de encontrar um distribuidor no mercado norte-americano (nenhum estúdio quer ter um possível Presidente como inimigo), etc. A polémica vale o que vale (nada), ainda que, inevitavelmente, contribua para providenciar um ar de choque a "The Apprentice", afinal, como exclamam (corretamente) muitos dos materiais promocionais ...

"Flow - À Deriva" ("Straume"), de Gints Zilbalodis

Não devemos ter medo de exaltar aquilo que nos parece "personificar", por assim dizer, um ideal de perfeição. Consequentemente, proclamo-o, sem medos, sem pudores, "Flow - À Deriva", do letão Gints Zilbalodis é um dos melhores filmes do século XXI. Um acontecimento estarrecedor, daqueles que além de anunciar um novo autor, nos providencia a oportunidade rara, raríssima de experienciar "cinema puro". O conceito é simultaneamente simples e complexo. Essencialmente, entramos num mundo que pode ou não ser o nosso, onde encontramos apenas natureza, há resquícios do que pode, eventualmente, ter sido intervenção humana, mas, permanecem esquecidos, abandonados, nalguns casos, até consumidos pela vegetação. Um dia, um gato, solitário por natureza, é confrontado com um horripilante dilúvio e, para sobreviver, necessita de se unir a uma capivara, um lémure-de-cauda-anelada e um cão. Segue-se uma odisseia épica, sem diálogos, onde somos convidados (os dissidentes, cas...

"Oh, Canada", de Paul Schrader

Contemporâneo de Martin Scorsese, Steven Spielberg e Francis Ford Coppola, Paul Schrader nunca conquistou o estatuto de "popularidade" de nenhum desses gigantes... e, no entanto (ou, se calhar, por consequência de), é, inquestionavelmente, o mais destemido. Em 1997, "Confrontação", a sua 12ª longa-metragem, tornou-se num pequeno sucesso, até proporcionou um Óscar ao, entretanto, falecido James Coburn. Acontece que, o mediatismo não o deslumbrou, pelo contrário, Schrader tornou-se num cineasta marginal, aberto às mais radicais experiências (a título de exemplo, mencionemos "Vale do Pecado", com Lindsay Lohan e James Deen). Uma das personas mais fascinantes do panorama cultural norte-americano, parecia ter escolhido uma espécie de exílio, até que, "No Coração da Escuridão", de 2017, o reconciliou com o público. Aliás, o filme representou o início de uma espécie de trilogia, completada por "The Card Counter: O Jogador", em 2021, e "O ...