Avançar para o conteúdo principal

 "O AMOR MOVE MONTANHAS", DE JOHN PATRICK SHANLEY


Em 2008, o dramaturgo irlandês John Patrick Shanley assinou a sua segunda longa-metragem. "Dúvida" era o título e encontrava a sua base na peça homónima da autoria do próprio Shanley, que lhe valeu mesmo um Pulitzer. Era um olhar contundente e provocador sob o quotidiano de um colégio católico assombrado pelos fantasmas da pedofilia. Na altura, Shanley queria Emily Blunt para o papel que eventualmente acabou nas mãos muito capazes de Amy Adams, no entanto, tantos anos depois a atriz britânica reúne-se finalmente com o irlandês naquela é apenas a sua terceira realização. Chama-se "O Amor Move Montanhas" e é bem capaz de ser o mais irresistivelmente charmoso lançamento do momento.

Baseado em "Outside Mullingar", que Shanley apresentara com muito sucesso na Broadway, "O Amor Move Montanhas" convoca-nos para uma Irlanda a meio caminho entre a realidade e o conto de fadas. É lá que conhecemos Rosemary Muldoon (Emily Blunt), uma obstinada agricultora que sonha em conquistar o coração do vizinho Anthony Reilly (Jamie Dornan), que secretamente também morre de amores por ela. O problema é que ele nunca se apercebeu da afeição da vizinha, levando-o a tentar reprimir esses sentimentos por não se achar digno dela, ocasionalmente libertando um ou outro suspiro por Rosemary ou ensaiando declarações de amor que sabe não ter coragem de levar a cabo.

Shanley encontrou mesmo o cenário perfeito para o seu filme em County Mayo, o condado irlandês onde decorreram as filmagens, cujas as paisagens verdejantes e tempo chuvoso possuem um elemento quase místico, transportando-nos imediatamente para o mundo pequeno destas adoráveis personagens, muito bem interpretadas por um elenco de notáveis, que trazem a pompa e circunstância adequada aos diálogos simultaneamente líricos e contundentes de Shanley, que tanto nos comovem, como nos convencem a soltar gargalhadas sonoras. Tudo isto, no contexto deliciosamente antiquado de um modelo de comédia romântica que convencionávamos morto e enterrado.

E, ainda dizem que o romantismo morreu...

NOS CINEMAS A 24 DE JUNHO

TEXTO DE MIGUEL ANJOS

Comentários

Mensagens populares deste blogue

CRÍTICA - "THE APPRENTICE - A HISTÓRIA DE TRUMP"

"The Apprentice", em Portugal, acompanhado pelo subtítulo "A História de Trump", tornou-se num dos filmes mais mediáticos do ano antes de ser revelado ao público, em maio, no Festival de Cannes, "poiso" habitual do seu autor, o iraniano-sueco-dinamarquês Ali Abbasi. De facto, os tabloides tiveram muito por onde pegar, houve um apoiante de Donald Trump que, inconscientemente, terá sido um dos financiadores de "The Apprentice" (só podemos especular que terá assumido que o filme se tratava de uma hagiografia, de pendor propagandístico), a campanha de boicote que Trump e a sua comitiva lançaram contra o filme, a dificuldade de encontrar um distribuidor no mercado norte-americano (nenhum estúdio quer ter um possível Presidente como inimigo), etc. A polémica vale o que vale (nada), ainda que, inevitavelmente, contribua para providenciar um ar de choque a "The Apprentice", afinal, como exclamam (corretamente) muitos dos materiais promocionais ...

"Flow - À Deriva" ("Straume"), de Gints Zilbalodis

Não devemos ter medo de exaltar aquilo que nos parece "personificar", por assim dizer, um ideal de perfeição. Consequentemente, proclamo-o, sem medos, sem pudores, "Flow - À Deriva", do letão Gints Zilbalodis é um dos melhores filmes do século XXI. Um acontecimento estarrecedor, daqueles que além de anunciar um novo autor, nos providencia a oportunidade rara, raríssima de experienciar "cinema puro". O conceito é simultaneamente simples e complexo. Essencialmente, entramos num mundo que pode ou não ser o nosso, onde encontramos apenas natureza, há resquícios do que pode, eventualmente, ter sido intervenção humana, mas, permanecem esquecidos, abandonados, nalguns casos, até consumidos pela vegetação. Um dia, um gato, solitário por natureza, é confrontado com um horripilante dilúvio e, para sobreviver, necessita de se unir a uma capivara, um lémure-de-cauda-anelada e um cão. Segue-se uma odisseia épica, sem diálogos, onde somos convidados (os dissidentes, cas...

"Oh, Canada", de Paul Schrader

Contemporâneo de Martin Scorsese, Steven Spielberg e Francis Ford Coppola, Paul Schrader nunca conquistou o estatuto de "popularidade" de nenhum desses gigantes... e, no entanto (ou, se calhar, por consequência de), é, inquestionavelmente, o mais destemido. Em 1997, "Confrontação", a sua 12ª longa-metragem, tornou-se num pequeno sucesso, até proporcionou um Óscar ao, entretanto, falecido James Coburn. Acontece que, o mediatismo não o deslumbrou, pelo contrário, Schrader tornou-se num cineasta marginal, aberto às mais radicais experiências (a título de exemplo, mencionemos "Vale do Pecado", com Lindsay Lohan e James Deen). Uma das personas mais fascinantes do panorama cultural norte-americano, parecia ter escolhido uma espécie de exílio, até que, "No Coração da Escuridão", de 2017, o reconciliou com o público. Aliás, o filme representou o início de uma espécie de trilogia, completada por "The Card Counter: O Jogador", em 2021, e "O ...