Evocando o cinema de Pier Paolo Pasolini, Bernardo Bertolucci, Ettore Scola, Marco Bellocchio, Matteo Garrone e Paolo Sorrentino, “Os Predadores” tornou-se num pequeno fenómeno aquando da sua passagem pelo Festival de Veneza de 2020, onde conquistou o Prémio de Melhor Argumento, levando muitos membros da imprensa a proclamar o estreante Pietro Castellitto como um sucessor do grande património do cinema italiano (e, tendo em conta, que ele é filho de um ator e realizador tão incontornável como Sergio Castellitto, não será um grande risco assumir que esse "património" histórico não será completamente indiferente), no qual sempre reconhecemos aquela capacidade muito peculiar de fazer "cinema político e social" sem nunca cair em maniqueísmos panfletários ou generalizações grosseiras.
De facto, embora o tom ande permanentemente entre o thriller de cozedura lenta e a comédia burlesca, "Os Predadores" é mesmo um filme sobre o funcionamento perverso da sociedade transalpina (ainda que os eventos nele retratados sejam tudo menos exclusivos de Itália), onde acompanhamos o quotidiano de duas famílias, os Pavone, burgueses intelectuais, e os Vismara, proletários fascistas. Certo dia, uma circunstância quase banal faz com que os seus destinos se cruzem, dando início a uma longa cadeia de incidentes que culmina em tragédia, expondo a natureza predatória de todos os envolvidos.
Ora, importará sublinhar que o termo "tragédia" não é meramente acessório, até porque ainda que consigamos reconhecer a influência da chamada commedia all'italiana (além dos cineastas supracitados, "Os Predadores" também tem o seu quê de Dino Risi ou Mario Monicelli), o filme de Castellitto é muito mais insidioso que esses títulos, assumindo uma estrutura de puzzle. Assim, acompanhamos uma série de pequenas vinhetas, umas de natureza cómica, outras nem tanto, em que vamos assistindo as interações das personagens e tentando entender o que as liga concretamente e como. Aliás, Castellitto é o primeiro a assumir a sua vontade de criar uma narrativa labiríntica, que só pode ser inteiramente compreendida no final.
Essa abordagem metódica acaba por intensificar os elementos de thriller de "Os Predadores", muito bem servida pelas tendências grandiloquentes (a espaços, até mesmo grotescas) da realização, sempre capaz de encontrar algum desconforto, porventura, associado à crueldade dos relatos, em todas as circunstâncias que retrata e, a insistência do filme na omnipresença daquele sentido de humor irónico e cínico consubstancia perfeitamente esse desconforto, nunca permitindo ao espetador que se sinta completamente confortável em cenário algum, colocando-o, portanto, no mesmo barco das personagens. Trata-se de uma sátira ácida, ancorada no trabalho exímio de um estupendo elenco (incluindo o próprio Castellitto), que se marimba para todas e quaisquer noções de "bom gosto" e proclama Castellitto como uma nova e excitante voz no panorama contemporâneo, italiano ou não.
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