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CRÍTICA - "A DOIS MINUTOS DO INFINITO"


Kato (Kazunari Tosa) vive num apartamento em cima do café de que é proprietário. Um dia, depara-se com um algo desconcertante: recebe, no seu computador, uma mensagem de vídeo, enviada pelo próprio dois minutos no futuro. Essa transmissão é possibilitada pela televisão que existe no café e tem uma diferença temporal de apenas 120 segundos. Juntamente com Aya (Riko Fujitani), sua empregada no café, e um pequeno grupo de amigos, Kato começa a explorar este estranho fenómeno, desencadeando muitas e bizarras ocorrências…

Rodado com um iPhone, num só cenário e num único plano contínuo pelo japonês Junta Yamaguchi, “A Dois Minutos do Infinito” encontra-se a meio-caminho entre o “Primer”, de Shane Carruth, e o “One Cut of the Dead”, de Shin'ichirô Ueda (ele que, entretanto, se confessou um fervoroso fã de “A Dois Minutos do Infinito”), combinando a abordagem minimalista do primeiro a conceitos clássicos da ficção-cientifica, com o tom cómico do segundo, sempre disposto a subverter situações características deste estilo de histórias por via do humor.


O resultado é uma pérola. Um filme de culto instantâneo, que demonstra que continuam a existir realizadores que não precisam de grandes meios para fazer coisas exemplares. “A Dois Minutos do Infinito” começa com um relativo “estrondo”, expondo a peculiaridade da sua premissa com rapidez e, em seguida, apresenta-nos uma sucessão de deliciosas e hilariantes peripécias que se vão encavalitando em cima umas das outras. E se, por um lado, essa tática tem a vantagem de nunca nos dar muito tempo para procurar buracos no argumento (como sabemos, todas as histórias sobre viagens no tempo os têm…), por outro, também nos mantém entretidos, surpreendidos e a rir incessante. Por aqui, não há momentos mortos.

Para isso, muito contribui a duração do filme. São apenas 70 minutos, um nível de economia narrativa deveras raro nos dias que correm, que fica muito bem ao conto minimalista de Yamaguchi, cuja modéstia, proveniente de um orçamento orgulhosamente minúsculo, é, acima de tudo, uma medalha de honra. Encontramo-nos perante um triunfo criativo, pleno de inventividade e de amor ao labor cinematográfico. Afinal, à semelhança do previamente mencionado “One Cut of the Dead”, “A Dois Minutos do Infinito” é também uma celebração eufórica dos prazeres lúdicos do cinema, tanto de quem o faz, como de quem o vê. Enfim, uma belíssima surpresa, oriunda de uma cinematografia que merecia ter uma presença bem mais significativa no nosso mercado.

★ ★ ★ ★
Texto de Miguel Anjos

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