Avançar para o conteúdo principal
Crítica: "Tangerine", de Sean Baker



Título Original: "Tangerine"
Realização: Sean Baker
Argumento: Sean BakerChris Bergoch
Elenco: Kitana Kiki Rodriguez, Mya Taylor, Karren Karagulian
Género: Comédia, Drama
Duração: 88 minutos
País: EUA
Ano: 2015
Distribuidor: Films4you
Classificação Etária: M/16
Data De Estreia (Portugal): 30/06/2016


Crítica: Há demasiados filmes no nosso mercado. E, se daí podem advir aspetos positivos, como um menu cinematográfico mais rico e variado, também é verdade que isso acabará por fazer com que muitos e bons filmes sejam condenados a passar despercebidos (numa altura, em que só os grandes blockbusters norte-americanos parecem ter campanhas de marketing então…). Infelizmente, essa parece ser a encruzilhada em que este "Tangerine" se vai ver preso. Obra-prima, quase trágica, quase burlesca que vem comprovar (se é que tal coisa era necessária) o génio de Sean Baker (que, por razões que a razão não entende, nunca antes tinha tido um filme da sua autoria no circuito comercial português). Uma vez mais, a explorar as várias subculturas que cabem dentro dos centros metropolitanos dos EUA (uma ideia que o cinema mais comercial que por lá se faz, tem tido pouco interesse em explorar), o cineasta debruça-se agora sobre a jornada de, Alexandra e Sin-Dee (Mya Taylor e Kitana Kiki Rodriguez, respetivamente) duas prostitutas transsexuais, que partem numa viagem, a que apetece chamar de "épica" por Los Angeles, em busca do namorado e proxeneta de Sin-Dee que a traiu com outra mulher. Algures entre a comédia screwball e o filme de "realismo social", "Tangerine" revela-se assim como um verdadeiro e deveras sedutor ovni cinematográfico, que tem tanto de hilariante como de surpreendentemente comovente. Além disso, o elenco é soberbo (devido destaque para a eletrizante dupla de protagonistas) e Baker, que filmou tudo com um iPhone (a primeiríssima longa-metragem a ser rodada dessa forma), trata as suas personagens com enorme respeito e amor, compondo pessoas reais de carne e osso ao invés de caricaturas e, no final (e, que final aquele, importa notar), saímos convictos de que acabamos de assistir a algo em tudo e por tudo muito especial: uma obra sem preconceitos nem clichés que retrata de forma realista e apaixonada um dia na vida das suas coloridas personagens com uma ousadia e uma inteligência admiráveis. Um filme deste calibre não merece passar despercebido.

Texto de Miguel Anjos

Comentários

Mensagens populares deste blogue

CRÍTICA - "THE APPRENTICE - A HISTÓRIA DE TRUMP"

"The Apprentice", em Portugal, acompanhado pelo subtítulo "A História de Trump", tornou-se num dos filmes mais mediáticos do ano antes de ser revelado ao público, em maio, no Festival de Cannes, "poiso" habitual do seu autor, o iraniano-sueco-dinamarquês Ali Abbasi. De facto, os tabloides tiveram muito por onde pegar, houve um apoiante de Donald Trump que, inconscientemente, terá sido um dos financiadores de "The Apprentice" (só podemos especular que terá assumido que o filme se tratava de uma hagiografia, de pendor propagandístico), a campanha de boicote que Trump e a sua comitiva lançaram contra o filme, a dificuldade de encontrar um distribuidor no mercado norte-americano (nenhum estúdio quer ter um possível Presidente como inimigo), etc. A polémica vale o que vale (nada), ainda que, inevitavelmente, contribua para providenciar um ar de choque a "The Apprentice", afinal, como exclamam (corretamente) muitos dos materiais promocionais ...

"Flow - À Deriva" ("Straume"), de Gints Zilbalodis

Não devemos ter medo de exaltar aquilo que nos parece "personificar", por assim dizer, um ideal de perfeição. Consequentemente, proclamo-o, sem medos, sem pudores, "Flow - À Deriva", do letão Gints Zilbalodis é um dos melhores filmes do século XXI. Um acontecimento estarrecedor, daqueles que além de anunciar um novo autor, nos providencia a oportunidade rara, raríssima de experienciar "cinema puro". O conceito é simultaneamente simples e complexo. Essencialmente, entramos num mundo que pode ou não ser o nosso, onde encontramos apenas natureza, há resquícios do que pode, eventualmente, ter sido intervenção humana, mas, permanecem esquecidos, abandonados, nalguns casos, até consumidos pela vegetação. Um dia, um gato, solitário por natureza, é confrontado com um horripilante dilúvio e, para sobreviver, necessita de se unir a uma capivara, um lémure-de-cauda-anelada e um cão. Segue-se uma odisseia épica, sem diálogos, onde somos convidados (os dissidentes, cas...

CRÍTICA - "MEMÓRIA"

Michel Franco é um cineasta empático? O termo raramente lhe foi associado, aliás, títulos como "Nova Ordem" ou "Crepúsculo" levaram muitos a acusá-lo de sadismo, apoiando-se permanentemente num niilismo incessante para encenar as mais abjetas barbaridades. Enfim, temos de assumir que quem levanta essas acusações nunca viu, por exemplo, "Chronic", o seu primeiro filme em inglês, onde não era possível fechar os olhos ao humanismo. Em "Memória", encontramo-lo na sua melhor forma, pronto para confundir os seus detratores, com um filme... "fofinho", devastador é certo, mas, "fofinho" na mesma. É o conto de Sylvia (Jessica Chastain), uma assistente social, profundamente traumatizada pelos abusos sexuais que sofreu, primeiro, às mãos do pai e depois, de um ex-namorado, e Saul (Peter Sarsgaard), cuja vida é moldada e, acima de tudo, condicionada por uma doença degenerativa debilitante. É um conceito, no mínimo, complexo, quanto mais n...