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Crítica: "O Ornitólogo", de João Pedro Rodrigues


Título Original: "O Ornitólogo"
Realização: João Pedro Rodrigues
Argumento: João Pedro Rodrigues
Elenco: Paul Hamy, João Pedro Rodrigues, Xelo Cagiao
Género: Drama
Duração: 117 minutos
País: Portugal | França | Brasil
Ano: 2016
Distribuidor: Nitrato Filmes
Classificação Etária: M/16
Data de Estreia (Portugal): 20/10/2016

Crítica: No cinema é preciso acreditar, porém para que tal aconteça é preciso um cineasta que seduza e hipnotize o espetador com a sua câmara. João Pedro Rodrigues (fascinante autor, dono de uma filmografia onde se contam trabalhos valorosos como "O Fantasma", "Odete" e "Morrer Como Um Homem"), já se havia provado como um desses realizadores capazes de conjurar ambientes e personagens, que queremos acompanhar de olhos bem abertos, mas nada nos poderia preparar para aquilo que conseguiu alcançar com esta sua nova longa-metragem. Chama-se "O Ornitólogo" e, para além de uma das mais singulares propostas em cartaz é, também um dos acontecimentos cinematográficos definitivos do ano. Uma viagem enigmática pelos caminhos labirínticos de uma floresta, onde se perde Fernando (Paul Hamy, simplesmente notável), um ornitólogo cujo caíque é arrastado por uma corrente fluvial. Os acontecimentos que se seguem desafiam explicações e, recusam as etiquetas e rótulos simplistas que o mercado contemporâneo tanto gosta de impor. O resultado? Cinema belo, belíssimo de uma liberdade que espanta e comove, cinema que exige um espetador atento e desprovido de preconceitos (não há aqui lugar para aqueles que olham para a sétima arte através de conceções redutoras), um espetador disposto a abrir a alma aos mistérios que esta procura incessante pelo sagrado oculta. É, também o mais pessoal dos filmes de João Pedro Rodrigues, que aqui encena com mestria uma obra de metamorfoses, de transformações, em que através do excesso do pecado o ornitólogo se eleva em direção aquela fé que dizia não ter. Vamos ao céu e ao inferno com ele, e no fim estamos simultaneamente boquiabertos e gratos, boquiabertos por termos assistido a um objeto tão desafiante, tão feroz, tão implacável, gratos pela honestidade e coragem de autor que "despe" a alma assim perante o nosso olhar.

Texto de Miguel Anjos

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