Avançar para o conteúdo principal
Crítica: "Tão Só o Fim do Mundo", de Xavier Dolan


Título Original: "Just La Fim Du Monde"
Realizador: Xavier Dolan
Argumento: Xavier Dolan
Elenco: Nathalie Baye, Vincent Cassel, Marion Cotillard, Léa Seydoux, Gaspard Ulliel
Género: Drama
Duração: 97 minutos
País: Canadá | França
Ano: 2016
Distribuidor: Alambique
Classificação Etária: M/14
Data de Estreia (Portugal): 27/10/2016

Crítica: O cinema de Xavier Dolan sempre manifestou um certo fascínio pelas convulsões íntimas do melodrama clássico, por outras palavras, o que o move é a simplicidade e, não o artificio. É, também um autor que tem vindo a crescer notavelmente ao longo dos anos, evidenciando um crescente grau de maturidade de obra para obra. Agora, propôs-se uma tarefa complexa: transformar num filme a peça de inspiração autobiográfica de Jean-Luc Lagarce, "Just La Fim du Monde" que o próprio descreveu como a sua primeira realização como um homem. O resultado? Uma experiência cinematográfica que desafia as palavras (as próprias personagens não sentem necessidade de recorrer a elas nos momentos mais espantosos de toda a obra, como um flashback de uma beleza transcendental ao som de "Dragostea Din Tei" e, qualquer pessoa que esteja familiarizada com a música em questão saberá que só alguém como Dolan construiria algo memorável em seu torno), que parece girar em torno de um anúncio oficial, que na verdade não precisa realmente de ser feito. Esse anúncio é o do eminente e inevitável falecimento de Louis, um escritor que regressa à sua terra natal, depois de uma ausência de doze anos para um almoço de família, porém o que era suposto ser uma refeição calma rapidamente se torna num inferno quando os rancores nascidos da solidão e da dúvida. As interpretações de um quinteto de luxo onde encontramos alguns dos melhores atores dos nossos dias são arrebatadoras que não haja dúvidas, mas é mesmo o cineasta quem rouba o filme, com aquela sua ofegante mise en scène sempre pronta a abraçar com um despudor verdadeiramente admirável cada crise, cada discussão, cada tragédia intima com um capacidade sensorial que só ele tem (já aqui falamos disso, mas vale a pena relembrar que nenhum cineasta trabalha música nos seus filmes como Dolan) e uma proximidade não raras vezes desconfortável. Grande cinema? É isto.

Texto de Miguel Anjos

Comentários

Mensagens populares deste blogue

CRÍTICA - "THE APPRENTICE - A HISTÓRIA DE TRUMP"

"The Apprentice", em Portugal, acompanhado pelo subtítulo "A História de Trump", tornou-se num dos filmes mais mediáticos do ano antes de ser revelado ao público, em maio, no Festival de Cannes, "poiso" habitual do seu autor, o iraniano-sueco-dinamarquês Ali Abbasi. De facto, os tabloides tiveram muito por onde pegar, houve um apoiante de Donald Trump que, inconscientemente, terá sido um dos financiadores de "The Apprentice" (só podemos especular que terá assumido que o filme se tratava de uma hagiografia, de pendor propagandístico), a campanha de boicote que Trump e a sua comitiva lançaram contra o filme, a dificuldade de encontrar um distribuidor no mercado norte-americano (nenhum estúdio quer ter um possível Presidente como inimigo), etc. A polémica vale o que vale (nada), ainda que, inevitavelmente, contribua para providenciar um ar de choque a "The Apprentice", afinal, como exclamam (corretamente) muitos dos materiais promocionais ...

"Flow - À Deriva" ("Straume"), de Gints Zilbalodis

Não devemos ter medo de exaltar aquilo que nos parece "personificar", por assim dizer, um ideal de perfeição. Consequentemente, proclamo-o, sem medos, sem pudores, "Flow - À Deriva", do letão Gints Zilbalodis é um dos melhores filmes do século XXI. Um acontecimento estarrecedor, daqueles que além de anunciar um novo autor, nos providencia a oportunidade rara, raríssima de experienciar "cinema puro". O conceito é simultaneamente simples e complexo. Essencialmente, entramos num mundo que pode ou não ser o nosso, onde encontramos apenas natureza, há resquícios do que pode, eventualmente, ter sido intervenção humana, mas, permanecem esquecidos, abandonados, nalguns casos, até consumidos pela vegetação. Um dia, um gato, solitário por natureza, é confrontado com um horripilante dilúvio e, para sobreviver, necessita de se unir a uma capivara, um lémure-de-cauda-anelada e um cão. Segue-se uma odisseia épica, sem diálogos, onde somos convidados (os dissidentes, cas...

"Oh, Canada", de Paul Schrader

Contemporâneo de Martin Scorsese, Steven Spielberg e Francis Ford Coppola, Paul Schrader nunca conquistou o estatuto de "popularidade" de nenhum desses gigantes... e, no entanto (ou, se calhar, por consequência de), é, inquestionavelmente, o mais destemido. Em 1997, "Confrontação", a sua 12ª longa-metragem, tornou-se num pequeno sucesso, até proporcionou um Óscar ao, entretanto, falecido James Coburn. Acontece que, o mediatismo não o deslumbrou, pelo contrário, Schrader tornou-se num cineasta marginal, aberto às mais radicais experiências (a título de exemplo, mencionemos "Vale do Pecado", com Lindsay Lohan e James Deen). Uma das personas mais fascinantes do panorama cultural norte-americano, parecia ter escolhido uma espécie de exílio, até que, "No Coração da Escuridão", de 2017, o reconciliou com o público. Aliás, o filme representou o início de uma espécie de trilogia, completada por "The Card Counter: O Jogador", em 2021, e "O ...