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Cinema

Crítica: "A Missão", de Walter Hill



Título Original: "The Assignment"
Realização: Walter Hill
Género: Ação, Thriller
Duração: 95 minutos
Distribuição: Cinemundo
Classificação Etária: M/16
Data de Estreia (Portugal): 08/06/2017


Hollywood esqueceu os seus ícones. Facto, que se torna complicado negar, quando vemos a forma como autores do calibre de Michael Mann ou Rob Reiner, foram completamente secundarizados, por uma indústria crescentemente menos fascinada, pelos seus "pequenos artesãos" (como sabemos, são os blockbusters, quem domina). Nesse contexto, importará nomear, um outro mestre desaparecido do panorama contemporâneo, Walter Hill, um dos mais influencias cineastas vivos, tendo assinado clássicos absolutos como Lutador de Rua e The Driver, viu o seu acesso à primeira linha da produção norte-americana vedado, nos primeiros anos do século e, desde então, pouco temos visto dele. Agora, regressou e, logo com um dos mais rocambolescos acontecimentos cinematográficos do ano: A Missão, um thriller de ação, assente numa peculiar estrutura narrativa, de constantes flashbacks, onde são as próprias personagens, quem assume o papel do "contador de histórias", que nos vai guiando, por entre este universo de criminosos e muitas vinganças (cruzam-se mesmo três planos, com esse objetivo). No qual, um assassino contratado (Michelle Rodriguez), com um apetite sexual voraz, é raptado e forçosamente submetido a uma operação de mudança de sexo, por uma cirurgiã psicótica (Sigourney Weaver), que quer justiça (e, num mundo tão amoral como este, essa palavra ganha contornos curiosos) para o irmão morto, devido a uma série de dividas, para com um líder da máfia local. Podia ser só mais um subproduto de série B, como tantos outros, mas nas talentosas mãos do veterano Hill, A Missão torna-se numa diversão deliciosamente subversiva, com um tratamento estético, que convoca o cinema de super-heróis (nomeadamente, nos muitos separadores estilizados, que surgem), mas num microcosmos, que é diametralmente oposto aos mesmos, onde o sexo é abraçado e celebrado e, a violência nunca é suavizada. Isto, acompanhado por um sentido de humor retorcido (veja-se o plano final), um par de interpretações memoravelmente insanas e, um argumento assumidamente desmiolado e, esta fabulosa fita de ação sobre as fronteiras da masculinidade, assume-se como a primeira surpresa deste verão.

8/10
Texto de Miguel Anjos

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