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Crítica:

"Operação Entebbe"


Padilha permanece interessado em contos profundamente marcados por questões políticas que, ultrapassam as vontades e pensamentos dos seus protagonistas. Simplificando, a cada filme que nos providencia, transmite também um olhar melancólico e desencantado sobre uma sociedade de muitas contradições e injustiças. Em “Operação Entebbe”, abandona o Brasil (onde filmou o seminal “Tropa de Elite”), para encenar o sequestro de um avião da Air France com destino a Paris, por um grupo da revolução palestiniana e, da missão que o exército israelita enviou o Uganda para resgatar os reféns. Território fértil para uma fita de ação acerca de uma das mais ousadas operações militares em memória recente, porém, aquilo que o cineasta brasileiro e o dramaturgo britânico Gregory Burke quiseram realçar foi o intrincadíssimo tabuleiro de xadrez político, com incontáveis e sempre imprevisíveis ramificações, centrado em três pares de personagens. De um lado, as dúvidas dos alemães oriundos do Baader-Meinhof dos anos 70, Brigitte Khulmann e Wilfried Böse (Rosamund Pike e Daniel Brühl, ambos notáveis), que veem o seu idealismo intelectual a chocar com a chocante realidade da violência quotidiana. Do outro, as intermináveis discussões entre o primeiro-ministro Yitzhak Rabin (Lior Ashkenazi) e Shimon Peres, ministro da Defesa (Eddie Marsan), em torno do principio israelita de não-negociação com terroristas. E, algures no meio, os treinos de um jovem soldado e, a forma como os mesmos impactam a sua relação com a namorada, uma dançarina. O resultado é um empolgante “naco” de cinema politico, teimosamente adulto e extraordinariamente requintado, que vai sustendo uma atmosfera de permanente suspense que, Padilha deixa crescer até um climax arrasador, onde pudemos mesmo assistir a uma das mais sufocantes sequências de ação dos últimos tempos. Boa surpresa.



Realização: José Padilha
Argumento: Gregory Burke
Género: Drama
Duração: 107 minutos

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