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"A Verdade", de Hirokazu Koreeda


Depois de Shoplifters: Uma Família de Pequenos Ladrões lhe conferir maior visibilidade no circuito internacional, um dos realizadores mais importantes do cinema japonês atual arrisca um primeiro passo criativo noutro país. França, onde conquistou a Palma de Ouro em Cannes, há dois anos, torna-se agora o cenário de um filme que, apesar da mudança de contexto geográfico e cultural, retoma o seu interesse pelas convulsões das relações familiares. Em termos simples, digamos que A Verdade se propõe a acompanhar o muito adiado reencontro entre Fabienne (Catherine Deneuve) e Lumir (Juliette Binoche), mãe e filha, respetivamente, que se reúnem em Paris devido ao lançamento da autobiografia da progenitora. No entanto, a reunião de família corre riscos de se transformar num violento ajuste de contas afetivo… Em última instância, podemos argumentar que o restante filme se vai deixando moldar por um inusitado gosto pelas palavras e suas ambivalências. Afinal, o que está em jogo é mesmo um labirinto de verdades que as personagens vão utilizando para revelar e ocultar o seu carácter, segredos e desejos. Insolitamente, Hirokazu Koreeda escolheu encenar este conto acerca dos laços que nos unem e os rancores que nos separam num misto de comédia e drama, onde as delicadas nuances do espaço familiar coexistem sempre com um sentido de humor desconcertante. E, convenhamos, que é um prazer inegável ver gente como Deneuve, Binoche e Ethan Hawke a trabalhar com um argumento tão diabolicamente acutilante.

Texto de Miguel Anjos

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