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"Becky", de Jonathan Milott, Cary Murnion


O cinema de terror nunca ocultou uma certa predileção por personagens jovens. Particularmente, adolescentes. Porquê? Pois bem, porque as muitas mudanças e angústias derivadas do processo de crescimento se evidenciam como boa matéria prima para histórias que procuram mexer com aquilo que nos enerva e assusta. Em Becky, os cineastas Jonathan Milliot e Cary Murnion divertem-se a subverter essa ideia. Ou seja, neste filme são os vilões quem necessita de temer a personagem adolescente, cujas supostas vulnerabilidades apenas alimentam a sua sede de sangue. Começamos com uma viagem. Jeff (Joel McHale) leva a filha Becky (Lulu Wilson) a passar um fim-de-semana na propriedade remota, onde costumavam passar tempo de qualidade com a mãe recentemente falecida e os dois cães. No entanto, o propósito dessas férias não é nostálgico. Afinal, o pai planeia aproveitar a ocasião para revelar à filha que se vai casar com novamente. Becky renega a união e foge para o bosque circundante, deixando para trás Jeff, a sua futura esposa e o respetivo filho. Os ânimos já estão em altas e a situação ainda vai piorar com o surgimento de um bando de nazis, que acreditam que naquele domicílio é possível encontrar uma chave que lhes é essencial, apesar de nunca nos dizerem ao certo o que abre (um pouco como a famosa mala de Pulp Fiction). Mal eles sabem, que a menina está preparada para os caçar um por um e fazê-los pagar pelas atrocidades que estão dispostos a cometer. O resultado é um thriller sanguinolento, com pronunciados contornos de comédia (muito) negra, que é elevado por uma performance acima da média da sempre confiável Lulu Wilson, aqui a compor uma heroína a meio caminho entre a criatividade de MacGyver e a crueldade de Jigsaw.

Texto de Miguel Anjos

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