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Crítica: "A Vida de Uma Mulher" ("Une Vie"), de Stéphane Brizé




Brizé aparentava ser um realizador das grandes questões contemporâneas, nomeadamente o emprego e o desemprego, numa conjuntura financeiramente problemática. Desta forma, compreende-se, que as reações a esta sua segunda longa-metragem tenham sido de choque e surpresa. Afinal, como passar de um contundente drama socio-realista, para uma fita de época, baseada num emblemático marco da literatura de Guy de Maupassant? Bom, como nos ensina o interessantíssimo Brizé, com muita classe. Filmando muito serenamente uma violência emocional, que se encerra nas mais insuspeitas paisagens quotidianas, captando assim a trágica odisseia de uma mulher, que quer acreditar na bondade natural do homem e de uma sociedade, que não têm interesse nenhum nela e, lentamente aniquilam todos os seus sonhos por maldade, indiferença ou mera casualidade. Se quisermos traçar paralelos com a obra anterior do cineasta (A Lei do Mercado, com Vincent Lindon), então apetece-nos mesmo concluir, que encontramos em Stéphane Brizé um autentico humanista, acima de tudo, fascinado por personagens violentadas pelo mundo que as rodeia, focando-se na sua intimidade de maneira quase asfixiante e, no processo, redescobrindo um classicismo gaulês, que o tempo não apagou. Belíssimo acontecimento.


Realização: Stéphane Brizé
Género: Drama
Duração: 119 minutos

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