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Crítica: "Como Cães Selvagens" ("Dog Eat Dog"), de Paul Schrader





Argumentista de clássicos intemporais como Taxi Driver ou O Touro Enraivecido (ambos assinados por Martin Scorsese), Paul Schrader é também um realizador permanentemente apostado em criar objetos cinematográficos contundentes, que consigam fugir às fórmulas mais convencionais, que dominam uma certa fatia da produção americana atual. Às vezes, acerta em cheio e outras falha redondamente, mas nunca parou e quase anualmente vemos novas obras suas. E, nesse sentido, encontramos Como Cães Selvagens como uma espécie de OVNI no nosso circuito comercial. Simultaneamente, uma crítica descontrolada a uma indústria politicamente incorreta e cheia de moralismos (as experiências de Schrader com os estúdios americanos não são as melhores) e uma homenagem apaixonada aos clássicos, que outrora nasceram no seu interior (pensamos numa série B, feita com alguma elegância e requinte, que floresceram nos EUA nos anos 50/60). Dessa forma, encenando a odisseia de um trio de criminosos, que necessitam de se juntar para consumarem um rapto bizarro, que poderá possivelmente render-lhes elevadas somas de dinheiro. As personagens, como já é habitual no cinema deste autor tão particular, confundem-se com os muitos fantasmas, que as atormentam, eterna e constantemente questionando-se acerca das suas identidades e destinos, culminando em momentos etéreos, quase transcendentais (especialmente, com Cage, numa sequência final arrepiante). Desta forma, Schrader vai utilizando um sentido de humor perversamente hilariante e, uma mise en scène altamente estilizada (lembramo-nos no seu amigo Nicolas Winding Refn) para desmontar as ilusões do quotidiano, assim, expondo uma América brutalmente ferida nas suas convicções (fala-se muito de questões controversas como o racismo ou o uso de armas), eternamente habitada por uma miragem imaginária de uma utopia redentora. É mesmo caso para dizer, que nasceu um clássico de culto e, entretanto, o realizador já completou um outro projeto, que competirá em Veneza.


Realização: Paul Schrader
Argumento: Matthew Wilder
Género: Thriller, Comédia
Duração: 93 minutos

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