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Crítica: "Wiener-Dog: Uma Vida de Cão", de Todd Solondz




Contemporâneo de autores como James Gray ou Wes Anderson, Solondz nunca se tornou num fenómeno de popularidade como esses seus colegas e, não é muito difícil perceber o porquê. Afinal, quando entramos numa obra sua, somos expostos a um mundo novo, que às tantas é mais dolorosamente real, do que gostaríamos de admitir, onde abunda um certo humor misantrópico, que lentamente se vai tingindo de uma enorme melancolia, à medida que melhor vamos observando as vidas horríveis das suas personagens. Ora e, assim volta a acontecer com este Wiener-Dog, uma antologia à lá Solondz, composta por um quarteto de pequenos contos, onde uma cadela funciona como um símbolo de uma pureza, que um humano nunca seria capaz de possuir e, como uma testemunha silenciosa das malogradas existências das personagens, permanentemente assombradas por uma série de problemas, que vão desde a toxicodependência à progressiva degradação de laços familiares e sociais. E, quem não admire a acutilância com que o americano expõe as questões, que claramente o atormentam, reconheça-lhe ao menos resiliência, na forma como incansavelmente volta sempre aos nossos ecrãs, para nos relembrar que não existe mesmo salvação para os seres humanos. Isto, mesmo quando Solondz vai evidenciado um sentimentalismo esperançoso (veja-se o extraordinariamente sentimental segundo segmento do lote, onde uma solitária Greta Gerwig e um heroinómano Kieran Culkin, se encontram numa loja de conveniência e, juntos partem numa viagem até ao Ohio, por motivos, para ela desconhecidos), que até mesmo o próprio, parece querer negar. Seja como for, aprecie-se o monótono, mas nunca desinspirado fatalismo de um dos únicos verdadeiros autores americanos contemporâneos (afinal, uma longa-metragem sua, não se assemelha a rigorosamente mais nada) e, é uma pena, que o seu trabalho continue sistematicamente a chegar ao nosso país "tarde e a más horas", porque estamos claramente perante um dos mais importantes acontecimentos dos últimos tempos.


Realização: Todd Solondz
Argumento: Todd Solondz
Género: Drama, Comédia
Duração: 88 minutos

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