Avançar para o conteúdo principal
Crítica: "Baby Driver: A Alta Velocidade", de Edgar Wright



No panteão dos maiores cineastas de culto contemporâneos, encontraremos certamente o britânico Edgar Wright. Ele, que na sua emblemática Cornetto Trilogy (à qual pertencem Shaun of the Dead, Hot Fuzz e The World's End), combinava componentes contundentes de um realismo social, muito querido da cinematografia do seu país, com referências mais ou menos obscuras a um cinema norte-americano bem mais fantasioso e, isto sempre com um pano de fundo humaníssimo se provou possuidor de uma frescura, que poucos seriam capazes de replicar (não será à toa, que entre os seus maiores fãs, se contam nomes como Quentin Tarantino ou William Friedkin). No entanto, desde que chegou a Hollywood, que a sorte não tem estado do seu lado, desde um gigantesco fracasso comercial (Scott Pilgrim VS The World, obra-prima pós-moderna, desmesuradamente amada pela crítica e, bizarra e incompreensivelmente ignorada pelas massas), a um projeto nunca concretizado com a Marvel. Seria mesmo caso para dizer, que não existe espaço para visionários num sistema, que só se preocupa em lançar produtos de consumo fácil, isto até ao momento em que nos deparamos com um fenómeno como Baby Driver, uma pequena produção, com chancela de um dos maiores estúdios mundiais (a Sony Pictures), que num verão, onde não faltaram espetáculos de grande orçamento, explodiu nas bilheteiras mundiais e, se arrisca a figurar entre os títulos mais bem-recebidos do ano. E, como poderia não ser? Afinal, Wright que nunca desiludiu, destilou aqui todas as suas influências (Carpenter, Tarantino ou, no caso muito especifico desta sua última longa-metragem, até Demy) e construiu a sua fita mais ambiciosa e experimental à data. Essencialmente, um cruzamento tão rocambolesco como genial entre a linguagem clássica do musical e os códigos do cinema de ação clássico dos anos 70/80, onde um condutor brilhante, com uma condição particular, que o força a ouvir música constantemente, se vê no centro de um sangrento combate entre gente com poucas objeções morais, ao mesmo tempo, que precisa de proteger uma empregada de mesa, por quem se apaixonou perdidamente. O resultado é exuberante, um thriller de ação carregado de intensidade (que culmina numa reta final simplesmente extasiante), onde cada instante é cuidadosamente coreografado como se de um bailado se tratasse, desde os movimentos da camara, especialmente, durante um plano-sequencia de cortar o folego perto do início, aos corpos que interagem com invulgar precisão, quer durante as explosões de adrenalina, que são os assaltos, quer durante os momentos íntimos entre Baby (Ansel Elgort, com um charme de estrela à antiga, quase reminiscente dos tempos do mudo) e o restante catálogo de personagens. Por estes e muitos outros motivos (como a elegante construção narrativa ou, um Jon Hamm deliciosamente vilanesco), saímos desta inevitavelmente curta (apenas 112 minutos) experiência revigorados, como se tivéssemos acabado de assistir a um filme, que garantidamente redescobriremos, que o tempo não esquecerá e, que ficará como uma "pedra no charco" demasiado conservador, que é o alinhamento de verão hollywoodesco, e quem sabe, foi exatamente isso que aconteceu.


Realização: Edgar Wright
Argumento: Edgar Wright
Género: Ação, Thriller, Musical
Duração: 112 minutos

Comentários

Mensagens populares deste blogue

"Destroyer: Ajuste de Contas" O falhanço financeiro de um duo de produções conturbadas (“Aeon Flux” e “O Corpo de Jennifer”) remeteram Karyn Kusama a um silêncio demasiado longo. No entanto, em 2016, reencontrámo-la aos comandos de um filme francamente impressionante. Chamava-se “The Invitation” e convidava-nos a entrar na intimidade fantasmática de um homem que não conseguia ultrapassar um acontecimento traumático que o destruiu. Passou completamente ao lado do circuito comercial, contudo, tornou-se num fenómeno de culto em homevideo e deu visibilidade suficiente à sua autora para lhe permitir filmar com um orçamento mais alto (9 milhões), o apoio de um estúdio interessado em auxiliar cineastas ousados (a Annapurna) e um elenco preenchido por nomes sonantes para filmar o seu magnum opus , ou como diriam os românticos alemães do século XIX a sua Gesamtkunstwerk (“obra de arte total”). Trata-se do conto sanguinolento e melancólico de Erin Bell (Nicole Kidman). Uma
"Clímax", de Gaspar Noé Nos primeiros minutos de “Clímax” é-nos providenciado um plano aéreo de uma mulher ensanguentada a percorrer um mar de neve, eventualmente caindo prostrada no branco e nele se distendendo. É a chamada  god’s eye view , um enquadramento da visão divina, que contempla as minúsculas romagens humanas lá do alto, sempre com indiferença. Essa vista alonga-se, para encontrar uma árvore, numa panorâmica lenta que vai abrindo caminho para o horizonte, orientando-se de tal modo que coloca a rapariga no céu e, por conseguinte, Deus na terra. Ainda não terminaram os segundos iniciais da sexta longa-metragem de Gaspar Noé e o mesmo já declarou que as imagens delirantes a que seremos expostos nos seguintes 95 minutos, se encontraram num intervalo permanente e perturbante entre o olhar distante de um qualquer Deus terreno e a lógica sacralizadora de um artista em busca de sensações viscerais. Caso restem dúvidas, o ecrã é imediatamente apoderado por uma
"Juliet, Nua", de Jesse Peretz Quando uma comédia romântica funciona mesmo muito bem, dão-se dois acontecimentos intrinsecamente interligados. Primeiro, começamos a acreditar nas personagens em causa, e a reconhecermo-nos nelas. Segundo, os apontamentos humorísticos convencem-nos tão bem do ambiente de aparente ligeireza, que somos completamente surpreendidos, quando a narrativa nos confronta com temáticas sérias. Felizmente, “Juliet, Nua” constitui mesmo um desses pequenos milagres. Um olhar, simultaneamente, melancólico e hilariante sobre um trio de indivíduos, que tentam encontrar o melhor caminho possível para a felicidade, dentro das situações francamente complexas, que os “assombram”. Resumindo de maneira necessariamente esquemática, esta é a história de Annie (a sempre confiável Rose Byrne), uma mulher de meia-idade, oriunda de uma pequena vila britânica, daquelas onde nunca nada parece acontecer, que namora com o intelectual Duncan (Chris O’Dowd)