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Crítica: "Good Time", de Josh Safdie, Benny Safdie


Imaginemos Encontro de Irmãos como um noir, situado no submundo do crime da Nova-Iorque contemporânea. Agora, pensemos no realismo brutal do Martin Scorsese de Taxi Driver e, no requinte esteticista do Korine de Spring Breakers. Momento ideal, portanto, para mencionar Good Time, comovente e estonteante reencontro com o cinema de Josh e Benny Safdie, que parecem construir o estilo de thriller criminal, que aparentava andar desaparecido. Para tal, encenando a odisseia trágica de um criminoso de segunda linha, dono de um ego absurdamente generoso e, de uma predisposição recorrente para usar e abusar dos que o rodeiam, que necessita de usar os seus conhecimentos para arranjar 10 milhões e, assim pagar a fiança do irmão, preso por sua culpa. Ora e, quando colocada desta maneira mais ou menos esquemática, a narrativa desta nova longa do icónico duo até poderá parecer ligeiramente banal, mas também aí residem alguns dos mais curiosos atributos deste Good Time, é um filme constantemente surpreendente, em permanente estado de caos, que subverte as nossas expectativas a cada esquina, brincando com elas e reinventando as regras do género, com um gosto genuinamente cinéfilo, que se torna tão contagiante como a intensidade, que acompanha todas os momentos da fita. E, tudo isto, ancorado num elenco simplesmente extraordinário (Pattinson rejeitando a imagem de galã, que a saga Twilight lhe providenciou, é especialmente brilhante) e, embrulhado na caótica explosão de cores, que é a fotografia de Sean Price Williams.


Realização: Josh Safdie, Benny Safdie
Género: Drama, Thriller
Duração: 101 minutos

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