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Crítica: "I Am Michael" ("O Meu Nome é Michael"), de Justin Kelly




“Nem todos querem fazer parte de uma subcultura”, insiste Michael Glatze (James Franco, numa composição de admiráveis nuances), numa discussão com o namorado Bennett (um extraordinário Zachary Quinto). Ele, que aí, havia passado boa parte do seu tempo a tentar convencer os colegas de trabalho (numa revista dedicada à comunidade LGBT, com sede em San Francisco, nos anos 90), que termos como “homossexual” ou “heterossexual” não são mais que construções mentais, designadas para nos encaixar em caixas, das quais não possamos nunca sair. Na altura, os seus amigos olham-no como se não percebem o que tinha acabado dizer ou, simplesmente não estivessem muito interessados nas suas ideias, porém já aí começávamos a assistir à transformação de Glatze, que é uma pessoa real, que passou de célebre ativista gay (tendo mesmo assinado um documentário sobre a juventude LGBT americana contemporânea e, fundou mesmo uma revista em torno do assunto) a um pastor cristão heterossexual, com opiniões notoriamente conservadoras. E, é precisamente sobre essa extraordinariamente controversa personalidade, que fala a belíssima (existem planos de cortar o folego) e contundente primeira longa-metragem de Justin Kelly, de um homem confuso, que nunca conseguiu aceitar quem era, renegando os seus desejos e, no processo, a sua identidade. Assim, deparamos com uma tragédia intimista, que começa quase como uma comédia romântica em tom luminoso (após uma primeira cena arrepiante, a misturar Van Sant e a ambiência de um filme de James Wan), sensual e livre, só para depois entrar numa espiral de infindável descontentamento, a culminar num último olhar pleno de magoa. Temos cineasta!


Realização: Justin Kelly
Argumento: Justin Kelly
Género: Drama
Duração: 98 minutos

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