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Crítica: "Una: Negra Sedução", de Benedict Andrews




Aos 28 anos, Una reencontra Ray, o homem com quem manteve uma relação muito íntima quando era uma adolescente de apenas 13 anos. Encontro esse, que além de o surpreender, o deixa profundamente abalado, porque passados 15 anos desde o sucedido (os primeiros quatro a cumprir pena por abuso de menores), Ray esforçou-se ao máximo para construir uma nova vida, deixando para trás os pecados desse malogrado passado. Por sua vez, Una nunca conseguiu recuperar e, do confronto entre os dois, emergem desejos inconfessáveis e arrependimentos indizíveis. Assim, começa a primeira longa-metragem deste encenador teatral tornado cineasta, que lentamente nos vai conduzindo até um complexo labirinto de emoções e perturbações, onde emergem dois excelentíssimos atores, Rooney Mara e Ben Mendelsohn, em performances de uma delicadeza estonteante (num mundo justo, seriam encarados como sérios candidatos aos principais galardões, na temporada de prémios, que começará em poucas semanas). Enfim, não nos iludamos, um drama teimosamente adulto e serenamente contemplativo como este, reúne todos os elementos para passar ao lado da maioria dos espetadores, mas importará mencionar aqui, quem um objeto cinematográfico assim tão singular chega ao nosso mercado e, esperar que existam suficientes interessados para o justificar, porque este é mesmo um dos acontecimentos fundamentais do momento. E, uma estreia primorosa para o australiano Andrews, que sem nunca cair em simbolismos generalistas, constrói um conto moral contundente como poucos.


Realização: Benedict Andrews
Argumento: David Harrower
Género: Drama
Duração: 94 minutos

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