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Crítica: "mãe!" ("mother!"), de Darren Aronofsky



Um homem e uma mulher, numa mansão quase etérea. Ele, quer recuperar uma inspiração que pode nunca mais voltar e, acabar o poema da sua vida. Ela, quer utilizar o seu tempo, para transformar a casa num paraíso. Porém, esse clima aparentemente pacifico é alterado pela cheda de alguns estranhos, que rapidamente passam da simpatia e cordialidade, para as mais diversas formas de agressão e manipulação. Ora e, quando colocada desta maneira mais ou menos simplista, a narrativa concebida por Darren Aronofsky poderá assemelhar-se à de um filme de terror, no entanto, embora essa linguagem seja mesmo convocada por uma mise en scène, que privilegia um sentimento de desconforto latente (espetadores mais claustrofóbicos poderão não apreciar alguns aspetos), mas “mãe!” não encaixa em gavetas previamente estabelecidas, nem cede a convenções banais. Assim e, porque quanto menos se souber melhor, afirmemos apenas que esta é uma experiencia cinematográfica catártica e ousada, onde um artista se questiona e nos questiona, com uma honestidade contundente e acutilante, recorrendo a um surrealismo simultaneamente alucinado e assustadoramente realista. Afinal, este é um cinema teimosamente cerebral, que insiste em estabelecer uma relação com o mundo em que vivemos, em pensar e confrontar os nossos vários fantasmas sociais, ao invés de fugirmos deles. É um delírio vertiginoso e ofegante, como só um autor no topo da sua forma conseguiria compor, apenas comparável a um chocante, melancólico e introspetivo objeto como “Anticristo”, de Von Trier (quem conhece o título em questão, ficará com uma ideia desta nova proposta). Além disso, o elenco é maravilhoso, a começar por uma estonteante dupla de protagonistas, Lawrence e Bardem, como nunca sonhamos em vê-los antes. Grandioso acontecimento, acerca do qual falaremos muito nos próximos anos…


Realização: Darren Aronofsky
Argumento: Darren Aronofsky
Género: Drama, Terror
Duração: 121 minutos

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