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MOTELX 2017: Dia 1 – “Super Dark Times” (de Kevin Phillips) e “The Limehouse Golem” (de Juan Carlos Medina)



“Super Dark Times”, de Kevin Phillips



Filmes coming of age não faltam, especialmente na cinematografia norte-americana. Mas, a primeira longa-metragem de Kevin Phillips é um daqueles exemplares, que mesmo tendo as suas raízes firmemente plantadas nessa riquíssima tradição, consegue oferecer-nos algo novo. História de uma adolescência interrompida, aqui conhecemos dois melhores amigos Zach (Owen Campbell) e Josh (Charlie Tahan), que partilham incontáveis interesses, que vão desde uma paixão genuína pelo universo dos super-heróis das bandas-desenhadas, até uma certa atração pela colega Allison. No entanto, após um trágico incidente, lentamente vão começando a separar-se. Campbell e Tahan são simplesmente excelentes, partilhando uma química palpável, que os torna imediatamente convincentes como estes dois amigos, que às tantas são mais próximos que irmãos. Phillips é um cineasta astuto e, sabe perceber o altíssimo calibre dos atores que tem em mãos e, serve-lhes um argumento daqueles bem astutos, cruzando bons diálogos, com situações implacavelmente tensas, acabando por se materializar numa daquelas pérolas cinematográficas, que tanto nos fazem chorar, roer as unhas e rir (muito até, porque estão aqui alguns dos momentos mais hilariantes de todo o ano). Posto da forma mais simples possível, pensemos em Crónica, Donnie Darko, Mean Creak e, a espaços, até Anticristo, agora juntemos tudo num cenário liceal e, imaginemos que alguém se lembrou de apresentar tudo isto, através de um “realismo à flor da pele”. O resultado? Super Dark Times, que coincidentemente ou não é um dos melhores filmes do ano.


Realização: Kevin Phillips
Género: Terror, Thriller, Drama
Duração: 100 minutos

“The Limehouse Golem” (“Os Crimes de Limehouse”), de Juan Carlos Medina


Terry Gilliam e Matthew Vaughn estiveram ambos bastante próximos de assinar contrato para transpor o emblemático romance homónimo de Peter Ackroyd, mas no fim de contas, quem acabou por conseguir o cargo foi o espanhol Juan Carlos Medina, autor do brilhante e perturbador Insensíveis (criminosamente pouco visto, no nosso mercado). Escolha mais ou menos curiosa, para uma história tão firmemente enraizada na história do Reino Unido. Nomeadamente, uma revisão histórica do reino de terror, exercido por Jack, o Estripador, aqui num registo de enigmático thriller classicista, com pronunciados contornos de giallo, onde acompanhamos a obscura odisseia de um inexperiente detetive (Bill Nighy, sempre extraordinário), que é incumbido de investigar uma série de homicídios brutais, ocorridos no perigosíssimo distrito de Limehouse. O elenco é uniformemente extraordinário (Olivia Cooke numa prestação de muitas e complexas nuances, constitui um destaque óbvio) e, a reconstituição da Londres vitoriana é simplesmente inatacável, mas o que fica na memória é um argumento inteligentíssimo, que tanto funciona como um belíssimo policial à moda antiga, como assume contornos de crítica social, abordando contundentemente problemas abissais da época (e, infelizmente, ainda não inteiramente resolvidos) como a homofobia e a misoginia. Uma excelente surpresa, que quem não conseguiu apanhar no MOTELX, poderá ver já amanhã no circuito comercial de salas.

Realização: Juan Carlos Medina
Argumento: Jane Goldman
Género: Thriller
Duração: 107 minutos

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