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Crítica: "It", de Andy Muschietti



Há um elemento que qualquer filme necessita, independentemente do seu género ou tom. Falamos naturalmente do “elemento humano”, essa componente quase mágica, que todos os melhores filmes possuem, de nos conectar emocionalmente às suas personagens. Dessa forma, conduzindo-nos a desenvolver outros sentimentos com elas (podemos sentir o seu prazer e sofrimento, chorar, quando estão melancólicas e, dar sonoras gargalhadas quando estão felizes). Andy Muschietti sabe disso e aplicou-o bem na sua mais recente realização, “It”, baseado no emblemático romance homónimo de Stephen King. O resultado é mesmo um dos acontecimentos fundamentais do ano. É que, o cineasta argentino olhou para esta história de um grupo de amigos, que precisam de enfrentar uma entidade demoníaca, cujo passado sangrento remonta a vários séculos atrás e, onde muitos encontrariam apenas um bom pretexto para encenar sustos frequentes, viu um conto comovente sobre adolescentes como também nós fomos. Assim, o importante aqui é retratar o seu quotidiano, os medos que os acompanham, as brincadeiras que mantêm uns com os outros e, obviamente, captar de forma realista e natural os subtis contrastes entre as suas personalidades individuais e, incorporar esses elementos numa narrativa, que utiliza uma componente sobrenatural para falar da dureza do crescimento, foi uma decisão brilhante. Desta maneira, deparamos com uma surpresa estonteante em “It”, um filme que é simultaneamente hilariante (sempre que os miúdos se juntam, temos um sorriso na cara), incessantemente aterrorizador (o cineasta encena um par de momentos verdadeiramente arrepiantes) e muitíssimo tocante. E, já que estamos nesse tópico, importa mencionar o extraordinário trabalho de um elenco tão bom, que nos sentimos mal a destacar alguém em particular.


Realização: Andy Muschietti
Género: Terror, Drama
Duração: 135 minutos

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