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MOTELX 2017: DIA 2 – “Dave Made a Maze” (de Bill Watterson), “El Bar” (de Aléx de la Iglesia)



"Dave Made a Maze", de Bill Watterson




Haverão sucessores dignos da emoção artesanal do gaulês Michel Gondry? Bom, a avaliar pela encantadora primeira longa-metragem de Bill Watterson, digamos que sim. Afinal o americano é mesmo a primeira pessoa a reclamar a referência, neste seu conto acerca das muitas dificuldades inerentes ao crescimento, onde um jovem adulto a chegar aos 30 anos, que nunca conseguiu terminar nada na sua vida e, ainda necessita de ser sustentado pelos pais, constrói um labirinto de caixas de cartão na sala de estar. Só que, o que visto de fora, parece pequeno é, afinal, um território gigantesco, habitado por um minotauro e, recheado de armadilhas potencialmente mortais e, quando o nosso protagonista se perde no interior do mesmo, cabe aos seus amigos partir em seu socorro. Parece bizarro? Comparado com o que acontece nestes 80 minutos até é bem normal. E, se uma premissa assim tão singular poderia facilmente ter resultado em desastre, então o cineasta demonstra um talento pouco comum para o equilíbrio de vários tons, cruzando comédia pura, com o mais contundente drama de forma completamente orgânica. Não nos enganemos, Dave Made a Maze nunca será um fenómeno comercial (foge demasiado às fórmulas mais convencionais), mas está “condenado” a viver eternamente como um clássico de culto, que muitos celebraram pela sua infinita e francamente charmosa inventividade. No MOTELX foi recebido de “braços abertos”.


Realização: Bill Watterson
Género: Comédia, Fantasia
Duração: 80 minutos

"El Bar", de Aléx de la Iglesia



Estávamos em Julho de 2015. O calor era imenso e os portugueses mal conseguiam conter a excitação que sentiam ao pensar no lançamento eminente de Guerra dos Mundos (valerá a pena lembrar, que ficou como o segundo filme mais visto desse ano, com uns espantosos 508 mil espetadores). No entanto, um nicho bem mais pequeno celebrava com entusiasmo um acontecimento muito mais discreto. Nomeadamente, a estreia limitadíssima (seis salas de total) da sexta longa-metragem do cineasta de culto Aléx de la Iglesia. Momento meio nostálgico, que surge para relembrarmos um tempo, onde alguém tão transgressivo como ele, ainda marcava presença nas nossas salas regularmente, até porque desde então nunca mais o encontramos no circuito comercial. Felizmente, os festivais repararam e, lá temos conseguido acompanhar a sua interessantíssima carreira. Nesse sentido, chega a altura de vermos o seu novo El Bar, um cruzamento alucinatório entre Veio do Outro Mundo (John Carpenter, 1982) e O Anjo Exterminador (Luis Buñuel, 1992), onde se encena a atribulada odisseia de oito estranhos, que se enclausuram num bar, quando percebem que existe um sniper nas imediações, pronto a abater quem quer saia. Porquê? Bom, deixamos esse estilo de revelações para o visionamento do filme e, digamos apenas, que Iglesia e o seu parceiro habitual Jorge Guerricaechevarría conseguiram uma autentica tour de force, tecendo uma narrativa hilariante e subversiva, onde tudo gira em torno de um tema incrivelmente atual: o medo. Emoção mais ou menos irracional, que domina implacavelmente a sociedade dos nossos dias, sendo o “Outro” a principal ameaça. Desta forma, El Bar rapidamente assume contornos quase apocalípticos, como se ali assistíssemos ao término da humanidade, num microcosmos onde cabem muitas atrocidades, representantes da interminável fealdade da nossa raça. Prosaicamente, o autor inspirou-se nos frequentadores de um café próximo de sua casa e utilizou-os como “peões” num elaboradíssimo jogo, onde o horror faz com que as máscaras sociais comecem a cair e, a evidenciar o ser humano de forma pura e, digamos primordial, como uma figura animalesca unicamente preocupada com a sua própria vida. Grandiosa e amarga comédia, de um realizador maravilhoso, que muita falta nos faz.



Realização: Aléx de la Iglesia
Argumento: Jorge Guerricaechevarría, Álex de la Iglesia
Elenco: Blanca Suárez, Mario Casas, Jaime Ordóñez, Alejandro Awada, Carmen Machi
Género: Comédia, Terror
Duração: 102 minutos

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