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Crítica: "Julieta", de Pedro Almodóvar



Título Original: "Julieta"
Realização: Pedro Almodóvar
Argumento: Pedro Almodóvar
Elenco: Emma SuárezAdriana UgarteDaniel Grao
Género: Drama, Romance
Duração: 99 minutos
País: Espanha
Ano: 2016
Distribuidor: Pris Audiovisuais
Classificação Etária: M/14
Data de Estreia (Portugal): 22/09/2016

Crítica: Um autor é um autor e, é-o porque independentemente das histórias que decide contar, do tom que as mesmas adotem ou dos géneros em que se insiram, há sempre ali uma marca indelével, que nos permite identificar imediatamente o nome do responsável pela empreitada em questão. E, é precisamente nessa categoria que podemos e devemos "encaixar" o espanhol Pedro Almodóvar, um cineasta cuja obra continua em permanente e fascinante transição, das comédias burlescas que marcaram o início da sua carreira até este seu período recente, mais próximo dos thrillers de Hitchcock e Chabrol (claramente, duas importantes fontes de inspiração neste seu novo título), mantém-se sempre aquela estética garrida e uma sensualidade quase indescritível (ninguém filma corpos como ele). "Julieta" (estreia-se hoje, no nosso país) pertence a esta sua fase tardia e, nele seguimos a personagem titular, que na sequência de um encontro acidental com uma antiga amiga da filha, decide recuar no tempo e relembrar os motivos que a levaram a perder contacto com a filha nos últimos 12 anos. Baseado em três contos distintos da nobelizada escritora canadiana Alice Munro, "Julieta" mistura elementos de thriller (para os quais contribui e, muito a convenientemente inquietante banda-sonora de Alberto Iglesias, um habitue da cinematografia de Almodóvar), romance e até tragédia para compor um retrato humano, duro e honesto do envelhecimento e da melancolia a ele inerente, ancorado por Adriana Ugarte e Emma Suárez (Julieta, no passado e presente, respetivamente) duas atrizes para lá de brilhantes, que compõe na perfeição duas versões diametralmente opostas de uma mesma pessoa, mas não haja dúvidas que a estrela do filme é mesmo o cineasta, com um magistral trabalho de mise en scène, resultando numa experiência sensorial como só um realizador em controlo absoluto da sua arte nos poderia providenciar, a transpirar desejo e antecipação constante por um futuro radioso que pode nunca chegar, na primeira parte e dor, arrependimento e culpa, na segunda (é, precisamente, por sentirmos como Julieta sente, que sabemos estar perante uma obra especialmente contundente). A base advém de um outrem é certo, mas o que estamos a ver pertence única e exclusivamente à visão de um autor que nos prende e hipnotiza à sua arte, e isso não se discute.


Texto de Miguel Anjos

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