CRÍTICA - "UM SINAL SECRETO"
O êxito de "Foge" ("Get Out", no original), a primeira longa-metragem de Jordan Peele como cineasta, desencadeou uma onda de cinema de terror socialmente consciente. Naturalmente, o género nunca abdicou dessa veia política, no entanto, começámos a vê-la ser um tanto ou quanto secundarizada, em particular, nas produções dos estúdios norte-americanos que, quer queiramos, quer não, constituem a cara do que um género é e representa aos olhos do grande público.
"Um Sinal Secreto", também uma primeira longa-metragem de alguém que trabalha, noutros departamentos, em Hollywood, há vários anos, Zoë Kravitz, é um sucedâneo do filme de Peele (e do seu sucesso que continua a tornar títulos que, possivelmente, seriam encarados como demasiado ousados ou polarizadores em objetos comercialmente apetecíveis), um pouco como "Antebellum: A Escolhida" ou "Não Te Preocupes, Querida" (note-se, ambos menos conseguidos que o filme de Kravitz, ainda que muitíssimo respeitáveis nas suas ambições).
O conceito é relativamente simples, ou melhor, não é, mas, de modo a não revelar demasiado, é aconselhável manter um ar de vagueza. O filme acompanha Frida (Naomi Ackie) e Jess (Alia Shawkat), duas empregadas de mesa que, como se costuma dizer, não têm onde cair mortas. Um dia, cabe-lhes servir os convidados de um evento tremendamente refinado, organizado para homenagear Slater King (Channing Tatum, também produtor e companheiro de Kravitz), um bilionário do setor da tecnologia que se virou para a filantropia depois de se meter em sarilhos.
Nunca sabemos, concretamente, o que Slater fez, mas Kravitz, também argumentista, não se coíbe de encenar um daqueles vídeos, cada vez mais populares, em que uma celebridade pede desculpa aos seus milhões de seguidores. Desde a eclosão do movimento #MeToo que esses vídeos se tornaram comuns, não só sobre questões de assédio sexual, temos atores, músicos, escritores e outros tantos à procura de redenção na praça pública (Twitter/Instagram) por terem dito algo que não deviam, sempre seguindo o mesmo guião, naturalmente, cozinhado por um profissional de relações públicas num gabinete de gestão de crises.
Logo aí, seja porque não sabemos quais são os seus pecados ou porque reconhecemos nele a desonestidade e a presunção de quem tem demasiado poder para se preocupar com algo ou alguém que não ele próprio, Kravitz estabelece Slater como uma figura dúbia e Channing Tatum habita-o perfeitamente. Ele emana o carisma de uma estrela de cinema clássica, enquanto ostenta os músculos de um herói de ação, tradicionalmente, Hollywood considerá-lo ia como um candidato ideal para papéis estereotipadamente masculinos, o "sedutor" e/ou "o protetor", só que Kravitz filma-o de forma enigmática, acrescentando um elemento de dúvida, de medo à sua persona. O que acontece se o "protetor" utilizar os seus recursos para satisfazer os seus desejos, ignorando o sofrimento dos outros?
Nesse sentido, "Um Sinal Secreto" revela-se como uma sátira dúplice. Por um lado, o olhar feminino e feminista não vacila na hora de condenar a misoginia, naturalmente, enraizada num processo de desumanização. Por outro, podemos encaixá-lo na atual corrente de filmes que comentam as desigualdades socioeconómicas que enfrentamos questionando os poderosos, que têm livre acesso a todos os recursos necessários. Tudo com um sentido de humor negríssimo e tremendamente contundente, embalado por uma atmosfera intoxicante, hipnótica mesmo, é ver como o ritmo da montagem e a estranheza da banda-sonora ajudam a realização a criar uma ambiência que nos coloca numa espécie de transe.
É um filme interessantíssimo, impossivelmente tenso ("de roer as unhas" dir-se-ia), que além de se perfilar entre os melhores lançamentos da temporada, tem o mérito de nos revelar uma cineasta que, à primeira tentativa, já evidencia um controlo absoluto das ferramentas que compõem o seu métier.
★★★★☆
Texto de Miguel Anjos
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