Avançar para o conteúdo principal
Crítica: Num Outro Tom (Begin Again), de John Carney



Estávamos em 2006 quando do nada apareceu "Once" (que por cá foi lançado directamente para DVD com o pavoroso título "No Mesmo Tom") um drama musical que surpreendeu toda a gente e acabou até por conseguir levar para casa um Óscar (o de melhor canção original). Ora, depois dessa "pequena" obra-prima muita foi a especulação em relação aos possíveis projetos futuros do seu realizador John Carney. Porém, estranhamente o cineasta "desapareceu" por uns anos, trabalhando unicamente em dois projetos menores no seu país natal, a Irlanda, que poucos viram. Ou seja, tudo apontava para que "Once" nada mais tivesse sido do que um mero "golpe de sorte" na carreira de um realizador destinado a ser esquecido. Isto era até este "Num Outro Tom" (e sim, mais uma tradução pavorosa, mas é o que temos).
Belo, melancólico e, no entanto, imensamente divertido, tudo isto sempre de uma forma completamente natural. O cineasta irlandês volta a provar o seu talento com um filme sem artifícios que faz tudo bem, desde o argumento inteligente, tocante e a oferecer às suas personagens um belíssimo desenvolvimento ao elenco onde o eternamente subvalorizado Mark Ruffalo demonstra, mais uma vez, o seu talento numa personagem impossível de antipatizar, e Keira Knightley (que finalmente decidiu fazer uma pausa nas suas constantes aparições em produções de época) a oferecer uma "vibração" de cantora indie, que em tudo condiz com o espírito da obra. Além disso, vale também a penar mencionar a forma como Carney pega em dois papéis "cliché" do género (o amigo que providencia o alívio cómico e o ex-namorado da protagonista), e de certa forma os redefine com a ajuda dos seus intérpretes, James Corden a provar que a sua transição do stand up para o mundo da representação não o levou a perder o seu timing cómico, e em especial Adam Levine o vocalista dos Maroon 5 que funciona como uma espécie de revelação a pegar numa personagem que podia de outro modo ter sido meramente banal e a conferir-lhe (com a ajuda do argumento) toda uma nova humanidade (especialmente na reta final) e, consequentemente interesse.
Aliás, no todo é mesmo esse o melhor termo para descrever este "Num Outro Tom", humano, uma obra calorosa, que impressiona especialmente pela forma como de uma forma tão simples o cineasta nos toca tanto, criando aquilo que acaba por ser mais uma "pequena" pérola para ser encontrada no seu currículo.
Carney, é bom ter-te de volta, meu!
10/10

Comentários

  1. Nota 10, concordo plenamente. É um filme excelente, realista e profundamente tocante, sem dúvida, a não perder.

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

Mensagens populares deste blogue

"Destroyer: Ajuste de Contas" O falhanço financeiro de um duo de produções conturbadas (“Aeon Flux” e “O Corpo de Jennifer”) remeteram Karyn Kusama a um silêncio demasiado longo. No entanto, em 2016, reencontrámo-la aos comandos de um filme francamente impressionante. Chamava-se “The Invitation” e convidava-nos a entrar na intimidade fantasmática de um homem que não conseguia ultrapassar um acontecimento traumático que o destruiu. Passou completamente ao lado do circuito comercial, contudo, tornou-se num fenómeno de culto em homevideo e deu visibilidade suficiente à sua autora para lhe permitir filmar com um orçamento mais alto (9 milhões), o apoio de um estúdio interessado em auxiliar cineastas ousados (a Annapurna) e um elenco preenchido por nomes sonantes para filmar o seu magnum opus , ou como diriam os românticos alemães do século XIX a sua Gesamtkunstwerk (“obra de arte total”). Trata-se do conto sanguinolento e melancólico de Erin Bell (Nicole Kidman). Uma
"Clímax", de Gaspar Noé Nos primeiros minutos de “Clímax” é-nos providenciado um plano aéreo de uma mulher ensanguentada a percorrer um mar de neve, eventualmente caindo prostrada no branco e nele se distendendo. É a chamada  god’s eye view , um enquadramento da visão divina, que contempla as minúsculas romagens humanas lá do alto, sempre com indiferença. Essa vista alonga-se, para encontrar uma árvore, numa panorâmica lenta que vai abrindo caminho para o horizonte, orientando-se de tal modo que coloca a rapariga no céu e, por conseguinte, Deus na terra. Ainda não terminaram os segundos iniciais da sexta longa-metragem de Gaspar Noé e o mesmo já declarou que as imagens delirantes a que seremos expostos nos seguintes 95 minutos, se encontraram num intervalo permanente e perturbante entre o olhar distante de um qualquer Deus terreno e a lógica sacralizadora de um artista em busca de sensações viscerais. Caso restem dúvidas, o ecrã é imediatamente apoderado por uma
"Juliet, Nua", de Jesse Peretz Quando uma comédia romântica funciona mesmo muito bem, dão-se dois acontecimentos intrinsecamente interligados. Primeiro, começamos a acreditar nas personagens em causa, e a reconhecermo-nos nelas. Segundo, os apontamentos humorísticos convencem-nos tão bem do ambiente de aparente ligeireza, que somos completamente surpreendidos, quando a narrativa nos confronta com temáticas sérias. Felizmente, “Juliet, Nua” constitui mesmo um desses pequenos milagres. Um olhar, simultaneamente, melancólico e hilariante sobre um trio de indivíduos, que tentam encontrar o melhor caminho possível para a felicidade, dentro das situações francamente complexas, que os “assombram”. Resumindo de maneira necessariamente esquemática, esta é a história de Annie (a sempre confiável Rose Byrne), uma mulher de meia-idade, oriunda de uma pequena vila britânica, daquelas onde nunca nada parece acontecer, que namora com o intelectual Duncan (Chris O’Dowd)