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CRÍTICA - "A DOCE COSTA LESTE"


Sean Price Williams não é um nome imediatamente reconhecível do cinéfilo comum (cortesia de um panorama que fomenta o culto do autor e, em certa medida, dos atores e atrizes, enquanto desdenha o trabalho valoroso dos restantes membros da equipa técnica). No entanto, encontramos nele uma referência fundamental do cinema independente norte-americano contemporâneo e, em particular, da sua estética.

Sean é o diretor de fotografia dos irmãos Josh e Benny Safdie, de Alex Ross Perry, de Michael Almereyda, recentemente, até começou a acompanhar Abel Ferrara nas duas deambulações fílmicas. Resumidamente, o universo dos mavericks que definiram a perspetiva comum de um cinema de produção marginal que, nalguns casos (como o dos Safdie), tem conquistado um lugar no mainstream, passa inevitavelmente pela sua lente.

“A Doce Costa Leste”, a sua primeira longa-metragem enquanto realizador, nasce da colaboração com o crítico Nick Pinkerton e surge no momento ideal, com um contencioso ciclo eleitoral a expor às crescentes clivagens ideológicas que dividem a sociedade norte-americana atualmente, tema que, aliás, já serviria de base a um dos filmes mais falados de 2024, “Guerra Civil”, de Alex Garland, com o qual “A Doce Costa Leste” faria uma belíssima sessão dupla.


“Vá lá, é só um filme.” Ouvimos no princípio e no fim, sinalizando o tom brincalhão que Williams e Pinkerton procuraram atingir, oscilando entre a fábula (imaginemos uma “Alice no País das Maravilhas” numa América tão burlesca que nem é necessário fazer sublinhados estéticos ou narrativos) e o realismo. O conceito é simples, Lilian (Talia Ryder) é uma jovem, proveniente de um vilarejo anónimo, algures no interior dos EUA. Um dia, vai com os colegas de turma maioritariamente imbecis numa visita de estudo a Washington. Eventualmente, vê-se no lugar errado, à hora errada (não desvendamos o que acontece ao certo, mas adiantamos que refere um momento rocambolesco da história norte-americana recente) e resolve fugir.

Assim, começa um périplo pela América, cruzando-se com uma multiplicidade de personagens (protestantes da ANTIFA, um professor universitário com simpatias nazis, uma cineasta e o seu produtor, uma vedeta de Hollywood e até um campo recreativo de homens com interesses… peculiares), que representam as distintas faces de uma nação em guerra consigo mesma, dividida por questões que podem, afinal, ser irreconciliáveis, quanto mais não seja, porque todos os Impérios caiem eventualmente.

Teoricamente, é uma ideia deprimente, mas, o sentido de humor caótico de “A Doce Costa Leste”, aliado à dimensão lúdica da sua atmosfera onírica, tão envolvente como desconcertante, dão-lhe uma frescura tresloucada que resulta num dos filmes mais delirantemente divertidos e inventivos em memória recente, naturalmente, só ajuda que o elenco seja um miminho, com Simon Rex a trazer um reflexo ainda mais insidioso da sua performance em “Red Rocket”, Jeremy O. Harris e Ayo Edibiri a surpreender com uma energia vibrante que contagia rapidamente e, acima de tudo, Talia Ryder numa composição de invulgares nuances emocionais, que até um inusitado (e brilhante) número musical (!) envolve, de tal modo perfeita, que no nosso entender nem é justo não a encarar como co-autora do filme.

Nasceu um clássico de culto.

★★★★★
Texto de Miguel Anjos

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