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Crítica: "Blade Runner 2049", de Denis Villeneuve


Villeneuve convence-nos desde “Incendies: A Mulher Que Canta”. E, de um cineasta que conseguiu conceber acontecimentos como “Raptadas” ou “Sicario”, não podíamos nunca esperar pouco. No entanto, mesmo para um autor de tamanho talento, continuar a história começada por Ridley Scott no justamente icónico “Blade Runner”, aparentava mesmo ser uma daquelas tarefas ingratas, que pouquíssimas hipóteses teriam de correr bem (não será descabido, mencionar que se assumem perguntas similares a “Como continuar um mundo tão intrinsecamente complexo quanto este?”). Só que, Villeneuve é mesmo um mestre em completo domínio do seu métier e, ao recuperar os temas e a subversão do original (afinal, falamos de um filme, que começava por nos apresentar a um herói lacónico, que perseguia criminosos com uma arma futurística, só para depois nos levar a reconsiderar essas ideias de “heroísmo” e “vilania”) e, enquadrando-os num contexto, que vai muito além da cópia ou da homenagem, ao invés apresentando algo único. Assim, vamos caminhando entre as paisagens futuristas deste universo distópico, belissimamente filmadas por Roger Deakins (num dos melhores momentos da sua carreira), à medida que acompanhamos um Gosling psicologicamente atormentado, que necessita de resolver um mistério, que poderá ou não estar relacionado com a sua humanidade. O resultado é uma estonteante odisseia intimista e épica, que tanto funciona como um noir futurista extremamente empolgante e, um drama filosófico constantemente comovente como poucos (uma das sequências finais com Ryan Gosling numa escadaria, é simplesmente arrasadora), que corresponde a uns 163 minutos de puríssimo cinema.


Realização: Denis Villeneuve
Género: Drama, Ficção-Cientifica
Duração: 163 minutos

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