"Rosie: Uma Família sem Teto", de Paddy Breathnach
Apenas pudemos conhecer uma das anteriores oito longas-metragens do irlandês Paddy Breathnach. Chamava-se “Alucinação” e acompanhava um grupo de jovens que eram perseguidos e assassinados, enquanto procuravam experienciar os efeitos alucinatórios de uns cogumelos que dizem ser mágicos. Era um conto sangrento, inteligente e tremendamente perturbador, que anunciava Breathnach como um autor potencialmente interessante no campo do fantástico. Porém, o mesmo escolheu percorrer um caminho diferente daquilo que pensávamos, e reinventou-se como um realista na senda de reputados compatriotas seus como Paddy Considine, Shane Meadows, Andrea Arnold e, principalmente, Ken Loach.
Exemplo modelar disso mesmo é “Rosie”, um olhar desencantado sobre a grave crise de habitação que há muito assola Dublin e não só (tudo acontece em solo irlandês, no entanto, podia ser Lisboa), que segue o quotidiano da personagem titular (Sarah Greene), do marido John Paul (Moe Dunford) e dos quatro filhos (Ruby Dunne, Molly McCann, Ellie O'Halloran, Darragh Mckenzie), que passam os seus dias em busca de um lugar para pernoitar, após terem sido atiradas para as ruas húmidas e ventosas da capital irlandesa pela ganância do senhorio que lhes providenciava um teto. Contudo, a proliferação de famílias em situações semelhantes e as rendas proibitivas parecem mesmo impossibilitar-lhes a tarefa.
A realização e o elenco encontram a veracidade que a história exige e o argumento de Roddy Doyle trata as suas personagens com enorme respeito, evitando sempre sucumbir aos facilitismos da manipulação emocional e do sensacionalismo, resultando num contundente objeto de cinema que evoca certas componentes do thriller (“Dois Dias, Uma Noite”, de Jean-Pierre e Luc Dardenne, assume-se como uma fonte de inspiração óbvia), e se aproxima de uma certa dureza que é muito documental. Mas, Breathnach é demasiado astuto para se limitar a acumular referências mais ou menos emblemáticos, preferindo encenar o truculento calvário da família Davis como um anti-melodrama humilde e comovente, que se vai mantendo avesso a convenções e clichés postiços durante uns económicos e canónicos 86 minutos.
Dessa maneira, provando-se um verdadeiro descendente do trabalho do já previamente mencionado Ken Loach, do seu interesse pelos destinos individuais e do amor pelo labor meticuloso dos intérpretes, aqui especialmente sensível nas delicadas composições de Sarah Greene e Moe Dunford. Afinal, caso queiramos encontrar um filme com o qual “Rosie” tenha uma relação de parentesco, seria mesmo o notável “Cathy Come Home”, onde Loach expunha o aumento de sem-abrigo no Reino Unido, como nunca antes alguém se tinha atrevido a fazê-lo, com a mesma efervescência, indignação e ira com que Breathnach aborda agora uma nova crise. Uma surpresa bastante recomendável, e um daqueles raros acontecimentos que merecem um visionamento seguido de um debate.
Texto de Miguel Anjos
Título Original: “Rosie”
Realização: Paddy Breathnach
Argumento: Roddy Doyle
Elenco: Sarah Greene, Moe Dunford, Ellie O'Halloran, Ruby Dunne, Darragh Mckenzie, Molly McCann
Duração: 86 minutos
País: Irlanda
Ano de Produção: 2018
Comentários
Enviar um comentário