Em 2004, Alexander Payne e Paul Giamatti reuniram-se em "Sideways". Payne contava com três longas-metragens, tremendamente, bem-sucedidas, "Citizen Ruth", "Election" e "About Schmidt", enquanto Giamatti tinha desencadeado burburinho devido às suas performances em títulos como "Private Parts", "Storytelling" e, principalmente, "American Splendor". No entanto, nenhum deles tinha ainda o estatuto que possuem atualmente.
"Sideways" mudou tudo. Um sucesso crítico e comercial, arrecadando 109 milhões de dólares num orçamento de "apenas" 16. Aquando da sua passagem no Festival de Toronto, a imprensa norte-americana proclamou Giamatti como o favorito ao Óscar de Melhor Ator. Estranhamente, os membros da Academia nem sequer o nomearam. Mas, "Sideways" envelheceu lindamente, conquistando novos fãs consistentemente. Quem adivinhou que seria um clássico de culto, só pecou pela precaução, é um clássico moderno de pleno direito.
20 anos depois, Payne e Giamatti reencontram-se. O pretexto é "Os Excluídos", uma vez mais, um filme inusitadamente charmoso, onde a comédia anda de mãos dadas com a melancolia. Trata-se de uma homenagem ao cinema humanista dos anos 70 (esteticamente, é como entrar numa máquina do tempo), recuperando dois dispositivos narrativos que Hollywood já acarinhou mais: as relações entre professores e alunos e as histórias situadas em torno de (e moldadas por) festividades específicas, neste caso, o Natal e o Ano Novo.
Giamatti é Paul Hunham, professor de História Clássica num colégio particular da Nova Inglaterra frequentado quase exclusivamente por rapazes de famílias ricas, em 1970. Hunham tem pouca sorte, é estrábico e sofre de um problema glandular que o leva a cheirar a peixe, curiosamente, também não tem interesse nenhum em convencer os seus alunos a gostarem dele ou, pelo menos, a reconhecerem-no como uma possível fonte de inspiração, ao contrário do que costuma acontecer neste tipo de histórias.
Hunham é sarcástico, amargo e não perde uma única ocasião para atirar à cara dos alunos, que despreza, a sua mediocridade e burrice. Os colegas costumam antipatizar com ele e os alunos detestam-no. Como castigo por não ter dado ao filho de um senador (e benfeitor do colégio) a nota que o diretor lhe tinha sugerido, é incumbido de passar o Natal e o Ano Novo na instituição, a tomar conta dos poucos alunos que não têm para onde ir na quadra.
O cerne de "Os Excluídos" dedica-se a acompanhar, exclusivamente, três personagens, o previamente mencionado Hunham, Angus (Dominic Sessa), um rapaz inteligente, ainda que problemático, e Mary (Da’Vine Joy Randolph), a cozinheira-chefe do colégio, que perdeu recentemente o filho no Vietname e ainda não conseguiu recuperar inteiramente, quem sabe, talvez nunca consiga…
Naturalmente, ajuda que Hunham, Angus e Mary estejam entregues a três atores talentosíssimos, que habitam a pele daquelas pessoas com uma naturalidade que espanta, Sessa, nunca representara antes, mas não parece precipitado concluir que o voltaremos a ver muito em breve, Randolph é uma das atrizes norte-americanas que mais trabalha, contudo, tem passado ao lado dos holofotes, até agora, a sua Mary é o coração do filme, representando a classe trabalhadora que muitos dos alunos de Hunham olham de lado e, claro, Giamatti é um daqueles atores que nunca nos falha, um intérprete que vive um estado de graça permanente, aqui a dar vida a uma personagem dúplice, simultaneamente, imbecil e afável.
Aliás, "Os Excluídos" tem a capacidade de concentrar tudo aquilo que o caracteriza na sua personagem central, um intelectual, com princípios éticos e morais fortíssimos, que é inteligente e resiliente o suficiente para não conseguir (ou não querer) abdicar de pensar o mundo, consequentemente, vivendo num ambiente de permanente frustração por não conseguir mudar nada num cenário sóciopolítico indiferente às suas cruéis desigualdades e, pouco a pouco, sem pressas nem sentimentalismos, a sensação que fica é que até ele conseguirá encontrar algum tipo de paz. Como? É preciso rumar a uma sala de cinema perto de si para descobrir.
Certo é que Payne repetiu a façanha que levava a cabo no seu mais belo filme, "Nebraska", nomeadamente, a de ressuscitar um cinema norte-americano eminentemente popular, no melhor sentido do termo, que emociona sem manipular, diverte sem embrutecer, encontrando a sua grande âncora numa verdade humana que reconhecemos de imediato e numa afetuosidade calorosa e genuína, que abraça a melancolia, aqui e ali, lancinante, por entender que, sem ela, nem a trajetória das personagens tem cabimento, nem o humor tem força.
★★★★★
Texto de Miguel Anjos
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