O cinema italiano beneficiou, em tempos, de uma tremenda popularidade junto dos portugueses. Por algum motivo, a conjuntura mudou e, atualmente, já nos damos por contentes se recebermos 10 ou 15 longas-metragens italianas no circuito comercial português.
O lançamento de “Obrigado Rapazes”, de Riccardo Milani, um dos mais famosos cineastas do mainstream italiano que, em Portugal, só será reconhecido pelos frequentadores assíduos da Festa do Cinema Italiano (onde se exibiu, por exemplo, “Come un gatto in tangenziale” ou “Ma cosa ci dice il cervello”), é uma boa oportunidade para entrar em contacto com uma tradição que terá caído no esquecimento de uma fatia significativa dos espectadores mais velhos (porque os mais jovens podem já nem ter uma ideia, vaga ou concreta, do que se trata), a commedia all'italiana.
Baseado na história verídica do ator sueco Jan Jönson, “Obrigado Rapazes” acompanha Antonio (Antonio Albanese, ator fetiche de Milani e uma das caras mais reconhecíveis de toda comédia italiana há já alguns anos), um ator apaixonado pelo seu métier, mas, com pouco sucesso, a ponto de necessitar de dobrar filmes pornográficos para pagar as contas. Um dia, é convidado por um velho amigo das lides teatrais para um desafio inesperado, nada mais, nada menos, que criar e dirigir um grupo de teatro numa prisão.
Antonio hesita, mas acaba por aceitar. Para tornar as coisas infinitamente mais interessantes, e também mais difíceis, mobiliza um pequeno grupo de reclusos, não apenas para desenvolver os seus dotes de representação, mas para com eles encenar… "À Espera de Godot", de Samuel Beckett!
Naturalmente, encontramo-nos perante uma via clássica de um certo cinema italiano, que viveu um período de acentuada popularidade entre as décadas de 50 e 60, quando autores como Luigi Comencini, Dino Risi ou Mario Monicelli maravilharam o mundo com títulos que provocavam gargalhadas em catadupa, sem abdicarem de uma componente social, porque não, política, cujo sentido de humor nascia das diferenças de estatuto e dos conflitos potenciais entre personagens com histórias de vida recheadas de contrastes.
É o que acontece em "Obrigado Rapazes". Milani, claramente, pretende fazer o pleno, conseguindo providenciar-nos um filme que é, simultaneamente, entretenimento de massas (e se utilizamos o termo "de massas" é, importa clarificar, sem nenhum tipo de desprimor) e um libelo humanista. Enaltecendo o caracter redentor da arte, sem nunca transformar as suas personagens em símbolos do que quer que seja, tanto Antonio como a sua troupe de atores improvisados são, acima de tudo, seres humanos, de carne e osso, que vamos conhecendo, lentamente, por intermédio de uma série de episódios, uns cómicos, outros mais dramáticos, que expõem as suas vulnerabilidades com uma franqueza muito genuína.
É o mais impressionante filme de Milani, precisamente, por ser o que melhor concilia o humor (e que divertidas são, por exemplo, as cenas dos ensaios) com a contundência, a espaços, lancinante do drama. "Obrigado Rapazes" é, no melhor sentido possível do termo, excelente "cinema popular".
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