Avançar para o conteúdo principal
"Operação Overlord"


É bem verdade que, nos mais diversos contextos de produção, a Segunda Guerra Mundial tem sido alvo de muitas e variadas revisitações. “Operação Overlord” corresponderá, por certo, a um dos exemplos mais extremos de tal processo. Porquê? Pois bem, porque o sempre estimável argumentista americano Billy Ray, ousou convocar as memórias tortuosas do Holocausto, de modo a emprega-las como pano de fundo, para um diabólico, sedutor e perturbante conto de monstros.

Tudo acontece na véspera do Dia D, quando um grupo de paraquedistas americanos são lançados atrás das linhas inimigas a fim de realizarem uma missão fundamental para o sucesso da invasão: aniquilar uma transmissão de rádio, situada no topo de uma insuspeita igreja francesa. No entanto, à medida que se aproximam daquele lugar profano, começam a perceber que experiências francamente rocambolescas estão a ser levadas a cabo ali…


Retomando as matrizes de um certo classicismo americano (os primeiros minutos evocam mesmo uma longa herança de películas acerca de heróis abnegados em infernos realistas, que ainda prolifera na Hollywood contemporânea), o australiano Julius Avery (conhecemo-lo por via do excelente “Filho do Crime”) começa por empregar os mais requintados recursos a seu dispor (o som dos tiroteios e explosões cedo se torna quase ensurdecedor), para espalhar entre o público o mesmo sentimento de pânico que contamina a alma das personagens, contudo, sinais insidiosos do que está para vir invadem o ecrã como maus augúrios.

Sejam chacais esfolados (os guardiões do inferno…) ou idosas desfiguradas, fenómenos macabros têm lugar naquelas paisagens bucólicas, e a partir do momento em que os protagonistas descobrem isso mesmo, tudo muda, incluindo a encenação que vai assumindo contornos mais frenéticos e, essencialmente, transformando o restante filme numa impressionante ópera de sanguinolência, com ocasionais apontamentos humorísticos afinados, e um elenco de exceção.

Algures, Lucio Fulci (1927-1996) está a esboçar um sorriso perverso.




Realização: Julius Avery


Comentários

Mensagens populares deste blogue

"Destroyer: Ajuste de Contas" O falhanço financeiro de um duo de produções conturbadas (“Aeon Flux” e “O Corpo de Jennifer”) remeteram Karyn Kusama a um silêncio demasiado longo. No entanto, em 2016, reencontrámo-la aos comandos de um filme francamente impressionante. Chamava-se “The Invitation” e convidava-nos a entrar na intimidade fantasmática de um homem que não conseguia ultrapassar um acontecimento traumático que o destruiu. Passou completamente ao lado do circuito comercial, contudo, tornou-se num fenómeno de culto em homevideo e deu visibilidade suficiente à sua autora para lhe permitir filmar com um orçamento mais alto (9 milhões), o apoio de um estúdio interessado em auxiliar cineastas ousados (a Annapurna) e um elenco preenchido por nomes sonantes para filmar o seu magnum opus , ou como diriam os românticos alemães do século XIX a sua Gesamtkunstwerk (“obra de arte total”). Trata-se do conto sanguinolento e melancólico de Erin Bell (Nicole Kidman). Uma
"Clímax", de Gaspar Noé Nos primeiros minutos de “Clímax” é-nos providenciado um plano aéreo de uma mulher ensanguentada a percorrer um mar de neve, eventualmente caindo prostrada no branco e nele se distendendo. É a chamada  god’s eye view , um enquadramento da visão divina, que contempla as minúsculas romagens humanas lá do alto, sempre com indiferença. Essa vista alonga-se, para encontrar uma árvore, numa panorâmica lenta que vai abrindo caminho para o horizonte, orientando-se de tal modo que coloca a rapariga no céu e, por conseguinte, Deus na terra. Ainda não terminaram os segundos iniciais da sexta longa-metragem de Gaspar Noé e o mesmo já declarou que as imagens delirantes a que seremos expostos nos seguintes 95 minutos, se encontraram num intervalo permanente e perturbante entre o olhar distante de um qualquer Deus terreno e a lógica sacralizadora de um artista em busca de sensações viscerais. Caso restem dúvidas, o ecrã é imediatamente apoderado por uma
"Juliet, Nua", de Jesse Peretz Quando uma comédia romântica funciona mesmo muito bem, dão-se dois acontecimentos intrinsecamente interligados. Primeiro, começamos a acreditar nas personagens em causa, e a reconhecermo-nos nelas. Segundo, os apontamentos humorísticos convencem-nos tão bem do ambiente de aparente ligeireza, que somos completamente surpreendidos, quando a narrativa nos confronta com temáticas sérias. Felizmente, “Juliet, Nua” constitui mesmo um desses pequenos milagres. Um olhar, simultaneamente, melancólico e hilariante sobre um trio de indivíduos, que tentam encontrar o melhor caminho possível para a felicidade, dentro das situações francamente complexas, que os “assombram”. Resumindo de maneira necessariamente esquemática, esta é a história de Annie (a sempre confiável Rose Byrne), uma mulher de meia-idade, oriunda de uma pequena vila britânica, daquelas onde nunca nada parece acontecer, que namora com o intelectual Duncan (Chris O’Dowd)