"Beautiful Boy", de Felix Van Groeningen
Como filmar a toxicodependência? Pois bem, se quisermos aceitar as respostas implícitas no filme “Beautiful Boy”, de Felix Van Groeningen, diremos que importa manter um humanismo empático e sereno, e nunca ceder à tentação nefasta de tornar as personagens em estereótipos, cujos pensamentos e ações, possam ser utilizados para tirar dividendos melodramáticos postiços.
Porventura, esse pequeno conjunto de normas parecerá óbvio, no entanto, poucos cineastas têm a competência necessária para as executar. Como tal, “Beautiful Boy” quase assume contornos de acontecimento. Porquê? Acontece que, Van Groeningen conseguiu mesmo trabalhar um tema difícil, com um novo olhar, onde nem cabem sentimentalismos, nem julgamentos morais.
Tudo começa na evocação das memórias de dois homens, Nic e David Sheff (personificados por Timothée Chalamet e Steve Carell, respetivamente). O primeiro, um jovem dependente das metanfetaminas, que o ajudam a conviver com a pressão do quotidiano, e lhe preenchem o dilacerante buraco que sente na alma. O segundo, o pai desesperado, que luta incessantemente para salvar o filho dessa danação autoimposta.
A partir desse pressuposto, Van Groeningen e o seu coargumentista Luke Davies constroem uma narrativa elíptica, possuidora de uma simplicidade deveras complexa. Contrassenso? Nada disso. Afinal, ao escolher introduzir o público às muitas e tortuosas convulsões da adição de Nic, e às respetivas ramificações que a mesma vai exercer na vida dos outros, sem qualquer tipo de cronologia especifica (os eventos vão alternando de modo mais ou menos constante entre passado e presente), estão também a aprisionar-nos ao mesmo loop dantesco, que consome os protagonistas.
No processo, contribuindo para o ressuscitar de uma corrente psicológica (aliás, nada alheia ao trabalho de pioneiros do humanismo como John Cassavetes ou Vincente Minnelli), interessada em expor e analisar os enigmas e contradições dos laços mais primários. Abordagem essa, que tanto beneficia do ritmo lento e da atmosfera plena de melancolia e desencanto, que o realizador belga providencia a cada momento.
E, porque “Beautiful Boy” é mesmo um conto sobre seres de carne e osso à medida dos clássicos de antanho, é inevitável não mencionar a comovente crença depositada no apaixonado labor dos atores, em particular, Chalamet a confirmar a imensa promessa de “Chama-me Pelo Teu Nome” (ainda o melhor filme estreado entre nós, em 2018), e Steve Carell a interiorizar a vulnerabilidade acutilante de um homem arruinado pela sua impotência face à decadência física e psicológica do filho.
São duas composições verdadeiramente memoráveis, num tocante lamento cinematográfico por uma juventude perdida, que nos arrasa silenciosamente, sem ilusões, nem artifícios…
Realização: Felix Van Groeningen
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