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 "Summerland", de Jessica Swale



Aquando do lançamento de “O Caso Collini”, no princípio do mês, falávamos da capacidade que as mais variadas expressões artísticas tem demonstrado para continuar a manter viva a memória da Segunda Guerra Mundial. “Summerland”, a primeira longa-metragem da dramaturga Jessica Swale enquanto cineasta, encontra as suas raízes nessa linhagem. Desta vez, não andamos pela Alemanha do início do século XXI, mas sim em Kent, um pacato vilarejo no interior britânico, durante o mesmo período em que a capital continuava a ser bombardeada pelos nazis diariamente. É nesse “ninho” rural que conhecemos Alice Lamb (Gemma Artenton), uma mulher independente que rejeita os costumes e crenças dos vizinhos, dedicando o seu quotidiano a investigar e desmascarar mitos, recorrendo a conhecimentos científicos para refutar mitos. No entanto, a vida de Alice é assombrada pelas memórias dolorosas de um caso amoroso que terminou precocemente. Acontece que, essa rotina solitária vai ser interrompida pelo aparecimento de Frank (Lucas Bond), um irrequieto rapaz evacuado de Londres, que lhe é confiado pelo governo. Um conto de amor perdido e reencontrado, encenado com astucia e charme, "Summerland" consegue sempre manter um equilíbrio impressionante entre os elementos cómicos e melodramáticos, no processo, conjurando um universo onde a possibilidade de milagres redentores ilumina os recantos mais obscuros da mente humana. Swale já tinha demonstrado potencial com uma excelente curta chamada "Leading Lady Parts" (espreite-a aqui), contudo, aqui confirma um talento que não lhe conhecíamos, nomeadamente o de se apropriar de uma linguagem realista para nos lançar numa odisseia romântica e nostálgica, que tem os pés na terra e a cabeça nas nuvens. Uma belíssima surpresa.

Texto de Miguel Anjos

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