"Roubaix, Misericórdia", de Arnaud Desplechin
Outrora, uma prospera urbe industrial do norte de França, Roubaix é hoje uma das cidades mais problemáticas deste país. Altos índices de desemprego, pobreza e criminalidade todos contribuem para o estatuto decadente deste centro urbano, cuja população é composta por pessoas dos quatro cantos do mundo (encontraremos lá emigrantes europeus, do norte de África, etc.). No entanto, Roubaix é também o local de nascimento do realizador Arnaud Desplechin, onde ele voltou para rodar "Roubaix, Misericórdia", um inebriante cruzamento de realismo social e policial que se conta entre os melhores momentos da sua carreira. As luzes natalícias que ornamentam as paredes, informam-nos da época do ano, contudo, os eventos a que vamos assistir nada têm a ver com o espírito da quadra. É a noite em que a maioria de nós costuma aproveitar para comer em família e partilhar prendas, mas os membros da esquadra local não têm mãos a medir. Assaltam-se padarias à mão armada para roubar 30 euros e até há quem incendie o próprio veículo só para poder receber o dinheiro do seguro. Oscilando entre a perspetiva do comissário Daoud (Roschdy Zem), conhecido por saber sempre quando um suspeito é culpado ou inocente, e o novato Louis (Antoine Reinartz), que será levado a questionar a sua fé no divino quando confrontado com a miséria existente naquele lugar, o filme de Desplechin desenvolve-se como um olhar contundente e desencantado sobre a propagação epidémica da amoralidade num território aparentemente civilizado. Inspirado por um caso verídico ocorrido em 2002, quando duas mulheres assassinaram uma idosa por duas garrafas de lixivia e uma televisão, Desplechin constrói um filme prodigioso, a meio caminho entre o realismo social e o policial, que reflete sobre a banalidade do mal, sem nunca sucumbir à tentação de condenar nenhuma das suas personagens, antes providenciando-lhes uma espécie de redenção fílmica tão bela quanto abstrata. Sim, "Roubaix, Misericórdia" é tristíssimo, mas só um realizador que ainda acredita na bondade inerente de cada ser humano podia tê-lo feito assim. Tão comovente, tão misericordioso…
Texto de Miguel Anjos
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