"Em Fúria", de Derrick Borte
Um desaguisado menor sobre etiqueta no trânsito torna-se num sanguinolento combate automobilístico no novo filme de Derrick Borte, realizador de "Uma Família com Etiqueta" e "London Town". Quem acompanhar a atualidade norte-americana certamente reconhecerá que o país do Tio Sam se encontra numa encruzilhada. As discordâncias entre Democratas e Republicanos começam a assumir contornos irresolúveis. As ruas tornaram-se no palco para verdadeiras batalhas urbanas entre os manifestantes e a polícia que rotineiramente terminam com a morte de intervenientes de ambos os lados. Isto, já para não mencionar o infindável debate em torno da validade ou invalidade da utilização de máscara em espaços públicos, cujos resultados continuam a ser surpreendentemente violentos. Ou seja, é o momento ideal para um thriller que nos vem convencer a pensar nos comportamentos antiéticos que se converteram em elementos comuns do quotidiano. Escusado será dizer, que esse processo reflexivo se adequa mais ao publico americano que ao português, mas o tema é suficientemente transversal para interessar ao espetador médio independentemente do local de onde provenha. Adicionalmente, esta história de uma mulher desesperada (Caren Pistorius) que se vê perseguida por um psicopata (Russell Crowe) que desenvolve uma estranha obsessão por ela, após um desentendimento relativo a uma ultrapassagem, possui aquela intensidade sufocante que se pede de um bom conto de suspense e as duas performances centrais oferecem uma certa veracidade até aos acontecimentos mais fantasiosos. Além disso, naquela que é a sua primeira aventura neste género de produções, Borte evidencia um talento nato para a encenação de sequências de ação, sendo particularmente importante destacar a escala da carnificina veicular do terceiro ato. Nesse sentido, "Em Fúria" emerge como um equivalente moderno de alguma produção de série B dos anos 70/80, pela maneira como recorre a componentes do entretenimento escapista, para comentar as convulsões da sociedade atual.
Texto de Miguel Anjos
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