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"Radioativo", de Marjane Satrapi



Quem conhecer os títulos anteriores de Marjane Satrapi talvez fique surpreendido de a encontrar aos comandos de um filme tão convencional como Radioativo. Afinal, já não víamos desde o lançamento de "As Vozes", onde colocava um Ryan Reynolds solitário e psicótico, a lidar com os conselhos pacifistas de um cão pachorrento e os comentários sádicos de um gato anarca. À semelhança de toda a obra da cineasta iraniana, era uma experiência única que nos convocava para uma dimensão simultaneamente burlesca e humanista que o cinema nem sempre tem coragem de penetrar. Infelizmente, não é o caso do relativamente tradicional "Radioativo", retrato biográfico da segunda metade da vida da cientista Marie Curie (encarnada por Rosamund Pike). No entanto, não é sinal para desespero, visto que mesmo que reconheçamos que este não é um ponto alto na carreira das autoras mais singulares do panorama contemporâneo, "Radioativo" continua a possuir trunfos que merecem destaque, a começar pela coesão de um elenco primoroso (e, se Pike é um destaque óbvio, não deixemos de mencionar a importância de um impecável Sam Riley) e a acabar na prodigiosa direção de fotografia do veterano Anthony Dod Mantle (colaborador habitual de Danny Boyle e Lars Von Trier) que transforma cada plano num quadro em movimento. O resultado final é um melodrama de recorte clássico, elaborado por um equipa de profissionais de topo que só sofre mesmo do peso das expectativas que inevitavelmente serão colocadas sobre os seus ombros.

Texto de Miguel Anjos

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