Avançar para o conteúdo principal

CRÍTICA - "GRITOS"


Em 1996, o cinema de terror andava pela hora da morte. Os estúdios limitavam-se a lançar sequelas requentadas de sucessos antigos e o público aparentava ter perdido o interesse no género ou, pelo menos, assim foi até Wes Craven assinar o primeiro capítulo da franquia "Gritos".

Uma desconstrução espirituosa dos códigos do terror contemporâneo, que surpreendia constante e consistentemente ao conjugar sustos e gargalhadas com um virtuosismo assinalável.


25 anos (e três estupendas sequelas) depois, Matt Bettinelli-Olpin and Tyler Gillett, provenientes do coletivo Radio Silence, pegam no património criativo do entretanto falecido Craven e dão-lhe continuidade neste quinto tomo, onde a relativamente pacata cidade de Woodsboro, na Califórnia, volta a ser o palco de uma série de homicídios, levados a cabo por um assassino que ressuscita a máscara do velho Ghostface.

Recuperando o distanciamento irónico que sempre caracterizou a saga, Bettinelli-Olpin e Gillet e os argumentistas James Vanderbilt e Gary Busick providenciam aos cinéfilos uma oportunidade de voltar a este hilariante, sanguinolento e intelectualmente labiríntico universo, onde o humor e o medo andam sempre de mãos dadas, num filme surpreendentemente delicioso, repleto de performances charmosas, de onde é imperativo destacar o veterano David Arquette e a novata Jenna Ortega, sequências engenhosamente empolgantes (há, pelo menos, dois momentos que prometem levar até o mais estoico dos espetadores a roer as unhas furiosamente), muita crítica social (outra constante nestes filmes) e, claro, muito amor pelo património criativo do cinema de terror. Afinal, não é um mero gesto vazio que o filme encerre com uma dedicatória a Craven, aqui a paixão assolapada pelos prazeres primitivos das narrativas de género é mesmo real.



★ ★ ★ ★
Texto de Miguel Anjos

Comentários

Mensagens populares deste blogue

"Destroyer: Ajuste de Contas" O falhanço financeiro de um duo de produções conturbadas (“Aeon Flux” e “O Corpo de Jennifer”) remeteram Karyn Kusama a um silêncio demasiado longo. No entanto, em 2016, reencontrámo-la aos comandos de um filme francamente impressionante. Chamava-se “The Invitation” e convidava-nos a entrar na intimidade fantasmática de um homem que não conseguia ultrapassar um acontecimento traumático que o destruiu. Passou completamente ao lado do circuito comercial, contudo, tornou-se num fenómeno de culto em homevideo e deu visibilidade suficiente à sua autora para lhe permitir filmar com um orçamento mais alto (9 milhões), o apoio de um estúdio interessado em auxiliar cineastas ousados (a Annapurna) e um elenco preenchido por nomes sonantes para filmar o seu magnum opus , ou como diriam os românticos alemães do século XIX a sua Gesamtkunstwerk (“obra de arte total”). Trata-se do conto sanguinolento e melancólico de Erin Bell (Nicole Kidman). Uma
"Clímax", de Gaspar Noé Nos primeiros minutos de “Clímax” é-nos providenciado um plano aéreo de uma mulher ensanguentada a percorrer um mar de neve, eventualmente caindo prostrada no branco e nele se distendendo. É a chamada  god’s eye view , um enquadramento da visão divina, que contempla as minúsculas romagens humanas lá do alto, sempre com indiferença. Essa vista alonga-se, para encontrar uma árvore, numa panorâmica lenta que vai abrindo caminho para o horizonte, orientando-se de tal modo que coloca a rapariga no céu e, por conseguinte, Deus na terra. Ainda não terminaram os segundos iniciais da sexta longa-metragem de Gaspar Noé e o mesmo já declarou que as imagens delirantes a que seremos expostos nos seguintes 95 minutos, se encontraram num intervalo permanente e perturbante entre o olhar distante de um qualquer Deus terreno e a lógica sacralizadora de um artista em busca de sensações viscerais. Caso restem dúvidas, o ecrã é imediatamente apoderado por uma
"Juliet, Nua", de Jesse Peretz Quando uma comédia romântica funciona mesmo muito bem, dão-se dois acontecimentos intrinsecamente interligados. Primeiro, começamos a acreditar nas personagens em causa, e a reconhecermo-nos nelas. Segundo, os apontamentos humorísticos convencem-nos tão bem do ambiente de aparente ligeireza, que somos completamente surpreendidos, quando a narrativa nos confronta com temáticas sérias. Felizmente, “Juliet, Nua” constitui mesmo um desses pequenos milagres. Um olhar, simultaneamente, melancólico e hilariante sobre um trio de indivíduos, que tentam encontrar o melhor caminho possível para a felicidade, dentro das situações francamente complexas, que os “assombram”. Resumindo de maneira necessariamente esquemática, esta é a história de Annie (a sempre confiável Rose Byrne), uma mulher de meia-idade, oriunda de uma pequena vila britânica, daquelas onde nunca nada parece acontecer, que namora com o intelectual Duncan (Chris O’Dowd)